Como nasce uma mãe não biológica?

Todo mundo diz que quando nasce uma criança, nasce uma mãe. Particularmente, acredito que, em alguns casos, a mãe nasce antes, quando se instala o desejo real e concreto de maternar. Quando a vontade existe e começa-se a pensar e organizar a vida para receber uma criança, já temos uma mãe pulsando sim.

O que eu vou contar aqui é a minha história de “renascimento”, considerando que quando parimos a maternidade, renascemos em uma nova existência, repleta do que construímos até ali, mas com um novo olhar pra tudo.

A minha história é diferente de muitas mães e igual a tantas outras. Considero uma história bonita e complexa. E, já começo dizendo que, no meu caso, a maternidade foi ZERO planejada.

E isso é muito diferente das mães não biológicas que planejam e passam por um processo de adoção ou aquelas que se relacionam com outras mulheres e passam por todas as etapas de planejamento e realização de gestação assistida (fertilização ou inseminação).

Comigo foi diferente destes dois casos. Comigo foi assim: no final de 2017, reencontrei Gabriela, uma mulher com quem, entre idas e vindas, eu já vinha me relacionando muito apaixonadamente desde o ano anterior, 2016.

Tínhamos várias coisas a resolver em nossas vidas, ou como ela gosta de dizer, em nossos infinitos particulares (poeta ela), para conseguir viver o que desejávamos viver uma com a outra. E estas coisas se resolveram. E, pra gente, o que isso significou?

Gabriela vivia um casamento de muitos anos, um relacionamento aberto. Eu solteira vivendo outras histórias, simultâneas ou não. E, no meio disso tudo, decidimos que queríamos ficar juntas, uma com a outra. E só uma com a outra (cringes elas, rs).

Eu estava sozinha nesta época e Gabriela terminou a relação anterior. Passamos a ter uma relação exclusiva. E quando isso aconteceu, Gabriela estava grávida de Amora.

Resumindo: quando nos encontramos e voltamos a namorar, ela estava gestante de 3 meses. Quando ficamos juntas e escolhemos uma relação exclusiva, ela já estava com 8.

Confesso que tudo isso foi um processo muito louco. Porque quando ela ainda estava casada com outra pessoa era bem confuso pra mim. Amora já era gigante demais no meu peito, mas eu me sentia mais orbitante, tipo… “a namorada da mamãe”, saca?

Depois, quando ficamos só as duas, fomos morar juntas e passamos a dividir mais um monte de coisas e responsabilidades, isso foi tomando outro lugar. Amora foi plantando espaços, sonhos, alegrias, medos, um monte de coisa bastante inédita em mim.

Eu me sentia numa espécie de “não lugar” onde tudo aquilo estava acontecendo, onde eu estava simplesmente sentindo aquilo tudo, mas também ficava aflita e ansiosa pensando se eu poderia sentir aquilo tudo, se essa criança crescendo dentro de mim, em lugares muito meus, era o correto a sentir.

Aí, Amora nasceu. Pós-parto. Gabi e eu juntas. Todos os dias. Licença-maternidade (com adaptações, quem é autônoma sabe). Gabi e eu juntas. Todos os dias. Ela sentindo umas paradas loucas no corpo dela. E eu sentindo umas paradas loucas no meu corpo. Aliás, isso é uma coisa que eu gostaria demais de saber, assim, cientificamente. O que acontece no corpo da mulher que acompanha tão de perto, afetivamente envolvida, o pós-parto de uma mãe biológica. Mas, isso é outra história.

Fato é que Amora nasceu. Cara, Amora nasceu. E aí, tudo né? Nossas manhãs, muito muito nossas, até hoje. Sorrisinhos. Chorinhos. Cólicas. Denguinho. Mais coisas. Menos dinheiros. Medos. Planos. Projetos. Res-pon-as-bi-li-da-des.

Sinceramente? Eu já me sentia mãe.
Sinceramente? Eu já tinha responsabilidades de mãe.

Mas, eu tinha medo. Medo de só eu estar sentindo isso. De ninguém, além de mim mesma, entender ou respeitar este lugar. De Amora não entender as coisas dessa forma quando começasse a entender as coisas.

Medo que me dava medo de ter mais medo. De cair de um lugar tão alto que nunca mais pudesse me recuperar de tanta dor.

Meu corpo sentiu o medo, a insegurança, a fragilidade. Sentiu real.

Juntou com outras coisas importantes que aconteceram no meio disso tudo e explodiu. Literalmente. Pela cabeça. Pelos poros.

Resolvi iniciar alguns processos terapêuticos. Vários. E tem sido muito muito bom.

Elaborar todos estes sentimentos, contextualizá-los e compreendê-los tem sido bastante libertador. E fortalecedor também.

Aceitar o que sinto.
Aceitar o que sou.
Dar nome para as coisas é maravilhoso.
Responsável e maravilhoso.
Assustador e maravilhoso.
Mas, sobretudo maravilhoso.

Não vou negar, ainda estou trabalhando na terapia se tudo ficou mais tranquilo e maleável pra mim quando ela me chamou de “mamain”. E hoje ela me chama de mãe, mamain e mamain Mali. Coisa mais fofa.

To lá, elaborando.
E vamos ver onde isso vai dar. Se é que vai dar em algum lugar que eu espero que dê.
Eu nem sei.
Mas, tem um lance.
Um lance importante.

Deixei de lado uma coisa que estava sempre presente e me adoeceu, sim A-DO-E-CEU. Não vou usar outra palavra.

Por muito tempo, submeti a minha compreensão de ser mãe de Amora a partir do que dizem ou entendem outras pessoas. Por muito tempo.

Hoje, vejo assim: eu sou a mãe de Amora porque ela é minha filha. Ela é minha filha porque eu sou sim uma de suas mães. Isso tudo não é sobre ninguém. É sobre nós duas, Amora e eu.

Eu sei o que sinto quando ela vem até o meu lado da cama e me cutuca pra acordar e fazer o leite dela. Eu sei o que sinto quando ela só me abraça e beija e aperta sem nenhuma situação específica levá-la a fazer isso. Eu sei o que sinto quando ela pega minha mão e diz “mamain, vem comigo” e eu nunca sei pra onde, mas claro que vou. Eu sei o que sinto quando ela corre pros meus braços nas mais diversas situações.

E ela sabe o que busca em mim quando faz tudo isso.
E eu sei o que dou a ela.

É sobre isso.
E mais nada.

Sapatão por amor e convicção, casada, mãe de Amoras.

2 Comentários

  • Maria Inêz Lemos Pinto

    Lendo ….. e já extasiada com tudo que estou vendo nesse site….parabéns !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  • “É sobre nós duas, Amora e eu”.

    “E ela sabe o que busca em mim quando faz tudo isso.
    E eu sei o que dou a ela”.

    Vocês são uma família linda, uma família linda e necessária!
    Obrigada pela partilha de cada vivência.

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