Todas as Lésbicas (mais velhas) que Amei

Artigo de Danijanae para o autostraddle. Tradução Lu Paes

 

Nós estávamos trocando mensagens por um tempo quando finalmente recebi um texto que tenho certeza de que foi digitado com mãos hesitantes:

A primeira lésbica que conheci foi uma amiga de minha irmã, chamada Gwen. Gwen era uma mulher negra mais velha, acho que mais velha até que minha irmã. Eu a conheci quando tinha por volta de 10 ou 11 anos, se lembro direito. O termo “lésbica” rondava sua forma como uma luz de neon. Em minha memória ela era imponente e eu devia olhar para cima para fitá-la, mesmo que eu não ache hoje que ela era muito alta. Ela era, no entanto, diferente de todos os adultos que eu conhecia, até porque todos os adultos ao meu redor eram hétero.

Ser lésbica deu a Gwen um tipo de poder sobrenatural sobre minha jovem mente: ela era capaz de transcender os desejos e vontades dos homens. Naquela idade, eu já tinha passado por homens comentando meu corpo em crescimento. Se eles não comentavam abertamente, eles olhavam maliciosamente. Uma vez fui a um consultório fazer um exame com 10 anos de idade – quando tirei meu sutiã, o doutor que estava passando olhou duas vezes para meu peito exposto.

Essas experiências me faziam sentir mais adulta do que de fato era. Eu não me sentia jovem o suficiente para saber da lesbiandade de Gwen, porque eu já estava agarrando a minha. Naquela época, havia MTV e clipes de música passando repetidamente em minha casa. Esses canais geralmente tinham mulheres sedutoras – mulheres negras dançando ao redor de rappers e estrelas de R&B. Eu estava consciente de como eu olhava para essas mulheres, como seus corpos me faziam reagir. Meu coração batia alto, meus olhos passavam em suas curvas, eu lambia meus lábios e virava para o outro lado para ninguém me notar enquanto fazia isso. Aos 10, eu sabia que gostava de mulheres. Eu já havia admitido a mim mesma, mas não havia anunciado ao mundo. A Gwen se sobressaiu em minha vida nesses anos iniciais. Eu me perguntava se ela sacava que eu era como ela. Quando eu passava tempo com minha irmã e seus namorados, eu muitas vezes esperava que a Gwen aparecesse. Ela não tinha o swagger que outras lésbicas negras que eu conhecia tinham – ela era calma e modesta, com óculos e cabelos em corte Chanel.

Conforme envelhecia eu perdi minha conexão com minha irmã e, em consequência, com a Gwen. Eu pensava nela muitas vezes como a primeira lésbica que conheci, especialmente quando sai do armário. Eu lembro de querer um guia como ela nesses meus anos. Não era raro para mim, como criança, passar muito tempo com adultos – eu passei um tempo sendo terapeuta substituta da minha mãe; eu era babá para pais que estavam muito confortáveis em dividir suas vidas comigo; eu era chamada de “madura para a idade” mesmo sendo muito nova. Passar tempo com pessoas mais velhas era natural para mim, e eu achava que estava no mesmo nível que eles socialmente e emocionalmente.

Eu meio que queria ainda ter um relacionamento com a Gwen. Eu tentei procurá-la nas redes sociais sem sucesso – eu só sei seu primeiro nome e que ela é amiga da minha irmã. Com 28 anos, eu tenho conexões com lésbicas mais velhas, que me dão muito orgulho de ser lésbica. Algumas delas (mulheres de 40 e 50 anos) me contaram que, quando tinham minha idade, não podiam ser assumidas. Ou, se eram, não era tão seguro quanto é para mim. São relações super importantes que mantenho com carinho.

Quando eu tinha uns 21, eu conheci a Kim. Kim tinha 43 anos à época. Nos conhecemos em um bar mal iluminado em minha cidade, que era frequentado em sua maioria por homens gays. Ela estava sozinha, e eu com amigos, e fui imediatamente atraída. Naqueles dias, eu estava muito interessada em ter mulheres diferentes na cama, especialmente as que pareciam impossíveis de conseguir. Quando eu eventualmente me aproximei da Kim, ela me indicou que era recém-divorciada de sua ex-esposa e que foi um término que a feriu muito. Eu pedi seu telefone e tivemos um relacionamento por umas semanas.

Tudo que eu mais queria é que nossa relação fosse física também, mas frequentemente eu e Kim gastávamos nossas noites conversando sobre como o divórcio a machucou. Eu aprendi que sua ex-esposa ficou subitamente distante em seu casamento, seguido de uma revelação de traição. Kim teve seu coração partido, e uma voz na minha cabeça me indicou que ela estava muito machucada para me dar o que queria – um caso apaixonado com uma mulher mais velha – mas eu continuei com ela até a Parada daquele ano.

A noite que conheci Kim, os amigos que estavam comigo estavam insistentes que eu não falasse com ela. Não porque eles tinham mais bom senso que eu, mas porque eles estavam enojados pelo meu interesse em uma mulher mais velha que 25 anos. No carro, voltando para casa, eles riram de mim e perguntaram o que eu tinha na cabeça. Eu não conseguia explicar.

Olhando para trás, acho que parte da minha fascinação e desejo de conexão com lésbicas mais velhas veio de querer ser vista como adulta, com o mesmo nível de maturidade. Eu queria atraí-las e excitá-las tanto quanto elas a mim. Eu queria sua confiança de uma forma que eu havia conseguido de outras mulheres mais velhas quando criança. Conforme a Kim começava a confiar mais em mim, eu a decepcionei. Aquela tarde, enquanto eu andava pela Parada, ela me falou que estava em uma tenda por causa de seu trabalho e para eu encontrá-la. Eu não fui – eu estava com outro grupo de amigos que me convenceu que meu relacionamento com ela era “estranho”. Eu não respondi sua mensagem e nunca mais falei com ela.

Nos anos seguintes, eu pensei na Kim com frequência, especialmente porque eu parei de falar com aqueles amigos que achavam que nosso relacionamento era esquisito. Eu imaginava – caso nosso relacionamento fosse sexual – o que eu poderia aprender com ela e ela comigo. Eu pensava se a gente podia ter se amado, ou se a gente estava egoisticamente procurando algo uma na outra. Eu, um caso que eu poderia escrever poesia sobre; ela, um caso com uma jovem mulher negra. Desde então, eu me acalmei bastante e minha relação com mulheres mais velhas mudou.

Um amigo meu me chamou recentemente de “a mais intensa e pública amante de mulheres de meia-idade”, título que carrego com orgulho. Eu amo mulheres mais velhas e as acho muito sexy. Muitas lésbicas da minha faixa etária estão no momento saindo (ou tentando sair) com mulheres mais velhas. Por quê? Há algo sobre a confiança e a certeza das mulheres mais velhas que me atrai em particular. Com uma mulher mais velha, eu sei que tenho uma comunicação mais direta. Eu não preciso me preocupar com quem manda mensagem primeiro ou não. Eu encontrei mulheres nos 40 e 50 que são bem menos prováveis de fazer ghosting. Elas podem esquecer de mandar mensagem, mas elas não estão confusas com comunicação básica como uma pessoa de 24 anos estaria. Estou ciente que isso pode soar como uma generalização de pessoas de certa idade – estou pensando em uma sapatão específica de 50 anos que conheci que tentou transar comigo após meu término e na real teve um comportamento bem de moleque. Eu sei que nem toda lésbica mais velha é um poço de sabedoria e poder sexual. Maturidade é um espectro, mas na minha visão de fato vem com a idade.

Eu não começo relacionamentos com mulheres mais velhas só porque estou interessada em namorar com elas. Eu de fato tenho várias amigas que estão entre o final dos 30 e o começo dos 50. Parte da mudança veio quando parei de tomar álcool, mas também comecei a reconhecer que amizades com pessoas da minha idade não eram as únicas maneiras de estar na comunidade lésbica como pensei.

A cada três meses há um debate online sobre diferença de idade em relacionamentos, com um lado defendendo intensamente e outro dizendo que todos são inerentemente predatórios. É claro que diferença de idade em namoros às vezes podem ser (e são) predatórios, mas isso não significa que todos são por definição. Eu entendo o impulso por trás dessa história, mas acho que falta nuance e que é bastante enraizada na cultura cis heteronormativa. Sim, nós vemos muitos homens mais velhos atrás de moças mais jovens com intenções nefastas. Mas acreditar que o mesmo ocorre nas outras sexualidades me cheira ao mito da “lésbica predatória” – uma mulher obcecada em uma mulher hétero.

Em um nível básico, essa ideia também rouba as lésbicas de uma comunidade. Se você acredita que entrar em contato com alguém de idade diferente é nojento ou assustador, você está limitando seu potencial de fazer amizades ou relacionamentos sexuais. Inclusive, vamos tirar essa de relacionamentos sexuais. Conhecer e fazer amizade com mulheres mais velhas é uma parte de entender a história lésbica. Elas têm experiências para dividir; erros que cometeram que podem te ensinar lições; elas também são pessoas engraçadas e legais de se ter por perto. Posicionar essa relação como algo inerentemente predatório faz um desserviço a todas as partes envolvidas e ignora a história sáfica.

Quando conversamos sobre como relacionamentos com diferença de idade são predatórios, estamos conversando sobre poder. Com uma relação homem mais velho/mulher mais jovem, a diferença de poder está clara. Com duas mulheres de idades diferentes, a relação de poder é menos definida. Idade automaticamente dá poder a alguém, especialmente quando falamos de quem tem mais de 25 anos? Mulheres começam a ser tratadas como descartáveis quando alcançam por volta dos 35 e não são vistas como digna de nota, por mais que 30 e poucos ainda seja jovem. Adicione isso ao fato de que essa mulher é gay, e ela se sente ainda menos poderosa em uma sociedade heteronormativa, menos visível. Eu saí do armário aos 12, então tenho 16 anos de experiência em ser gay no meu currículo. Uma mulher que tem 50 anos, mas só se assumiu aos 49 tem ainda menos experiência em estar fora do armário que eu – eu tenho sabedoria e conhecimentos que ela pode não ter. Nosso relacionamento ainda seria predatório só porque ela é mais velha que eu?

Essa mulher não tem direito aos conhecimentos e comunidade que eu construí por mais de uma década? Se o acesso a estes recursos está concentrado em comunidades populadas por pessoas mais jovens, ela deveria se exilar? Essa mulher essencialmente é o que chamamos de uma “bebê gay” em nossa comunidade, então eu não teria poder e capital social maior mesmo que ela seja 20 anos mais velha?

Pintar todos os relacionamentos com diferença de idade como predatórios indica que tudo que temos em nossas conexões é poder e o potencial de ferir, e eu acho que esse discurso é ignorante às maneiras que podemos impactar positivamente as pessoas, pelo meio de amizades, relacionamentos ou famílias.

Algumas de minhas amigas lésbicas mais velhas são pessoas que saíram do armário mais tarde. Mulheres que eram casadas com homens por alguns anos, perceberam que são gay (às vezes tendo casos com mulheres) e separaram dos maridos para ir para os campos de lavanda. Essas amigas com frequência me dizem que suspeitavam que eram lésbicas desde a infância, mas a cultura da época, o medo, os pais exigentes impediram de explorar esses desejos. Agora que se assumiram e estão em relacionamentos com mulheres, comunidade é algo de extrema importância para elas. É essencial para mim também, porque eu sei os sacrifícios feitos por gerações mais velhas para que fosse mais fácil eu dizer “eu gosto de meninas” aos 12 anos. Eu me assumi correndo riscos, mas eu já era uma exceção. Eu já não tinha muitos amigos ou pessoas ao meu lado – as amizades que tenho agora compensam as que não tive. Eu tenho amigos leais que me ajudam quando tenho problemas, que dividem comigo como superaram situações similares em suas vidas. Nós celebramos nossos sucessos e damos um ombro amigo para desencontros na vida e no amor.

Pensar que eu não teria essa comunidade com essas mulheres só porque há uma diferença de idade me parece extremo. Meu amor por ser uma lésbica não existe sem essas mulheres – não existe sem mulheres como a Gwen.

A Gwen foi uma gigante na minha vida. Eu não percebi o quanto até bem mais tarde em minha vida, quando tive meus primeiros encontros românticos e sexuais com mulheres. Eu via lésbicas como supermulheres, que desafiavam as regras impostas ao nosso gênero: isso as fazia, nos faz, muito poderosas. Eu me encaixo nesse poder e o admiro quando vejo, especialmente quando exercido por mulheres mais velhas.

Apesar de nossas interações terem sido superficiais e rápidas, a Gwen significou mais para mim do que muitos adultos com que cresci. Eu queria encontrá-la e perguntar se ela me via, se ela sabia de mim antes mesmo de eu saber. Se eu calculei direito, ela teria uns 50 anos agora. O que descobri em meus relacionamentos com mulheres nos 50 é que elas estão sempre prontas para dividir uma história sobre namoros, amor, sobre como chegaram aonde estão. Eu esperaria que Gwen fosse aberta assim comigo. Eu perguntaria a ela sobre a primeira vez que ela se apaixonou por outra mulher, seu primeiro coração partido e o que ela aprendeu com ele. Eu contaria da minha própria saída de armário, da reação da minha família e como isso me mudou. Eu imagino um senso de familiaridade e de suavidade entre nós quando falássemos dessas coisas. Eu faria uma brincadeira sobre ir atrás dela e tentar transar com ela, mas eu sei que isso não ocorreria por causa de nossa relação pregressa. O que ela representava para mim foi algo muito querido. Eu sou grata a ela e toda lésbica mais velha em minha vida, por me ver e me apoiar da maneira que só elas conseguem.

 

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