Eu posso não ter muitos anos nas costas, mas, no que diz respeito à minha sexualidade, já ouvi todo tipo de coisa. Primeiro – bem antes de me descobrir demissexual -, eu escutava que devia ser lésbica. É claro que isso não é depreciativo, pelo contrário, fico orgulhosa por saber que fui incluída num grupo que tanto luta por seus direitos, mas sempre que erram minha identidade sexual, eu fico com uma sensação de pura agonia. É como se tivessem anulado a pessoa Nathália e colocado no lugar dela uma outra mulher, que não é demissexual e, portanto, não passou pelas experiências que eu passei. É ainda pior quando vem da família, mas não é disso que quero falar hoje. O primeiro post desse blog será dedicado a todas as pessoas que não sabem o que é demissexualidade e/ou não sabem o que é ser demissexual. Geralmente, são essas pessoas que me classificam como lésbica, ou assumem que eu seja heterossexual; também são essas pessoas que me perguntam se eu só me relaciono com demônios, semi-deuses, meus pais ou a Demi Lovato. (Já escutei tudo isso. Juro.)
ATENÇÃO!!! Eu considero a demissexualidade como uma orientação sexual, mas isso não é consenso; inclusive, você pode ser demi e lésbica, demi e gay, demi e bi, enfim, demi e qualquer outra coisa. JAMAIS coloque a sua sexualidade dentro dos limites de qualquer texto que você tenha lido na internet, no jornal, num livro, em qualquer lugar. As opiniões das pessoas são muito divergentes, e não devem influenciar a forma como você se identifica.
Tinha 18 anos quando me descobri demissexual. A história de como isso aconteceu é cheia de altos e baixos, afinal, como qualquer adolescente, eu também passei pela fase em que, para ser socialmente aceita, precisava ter beijado na boca. Acontece que eu não conseguia. Quando pensava em beijar um estranho qualquer numa festa (no masculino, porque heterossexualidade era necessária no grupo em que eu tentava me inserir), tinha a sensação de estar sufocando, queria fugir, me esconder. Eu sabia que não era igual aos outros, e isso me causava intensa agonia, e até mesmo um grande ódio de mim mesma. Por que eu era a única que não conseguia pegar geral numa festa? Por que eu não conseguia fazer isso nem uma vez, para que me aceitassem? Por que eu não podia ser normal? Esse pensamento perdurou durante toda a minha puberdade, tendo sido mais intenso dos onze aos quinze anos. Basicamente, eu me sentia o patinho feio. Quando dei o meu primeiro beijo, aos quinze, com uma pessoa pela qual eu era apaixonada, achei que isso tivesse acabado, mas logo me vi novamente pressionada pelo grupo para ficar com pessoas em festas, e o sentimento de não pertencer àquele mundo voltou. Por muitos anos pensei que fosse doente, até que o tumblr me ensinou que assexualidade existe.
A primeira consideração que devo fazer aqui é que não existe só uma assexualidade. Como o próprio termo revela, assexual é a pessoa que não sente atração sexual por outras pessoas; no entanto, é correto pensar na assexualidade como um espectro, tal qual pensamos nas cores, e não como uma tabela ou uma chave de classificação, em que as características da sua atração sexual te dizem exatamente qual a sua sexualidade. (Na verdade, eu acredito que mesmo as orientações que não estão no espectro assexual devam ser tratadas dessa forma.) Numa das pontas do espectro, temos a assexualidade, ou seja, a total falta de atração sexual; na outra, temos a sexualidade, isto é, as pessoas passíveis de sentir atração por qualquer pessoa. Veja bem, quando digo passíveis, não quero dizer que todas as pessoas não-assexuais sintam atração por qualquer ser humano que virem na rua. A palavra “passíveis” está aí para dizer que pessoas sexuais conseguem sentir atração por estranhes, ou seja, por pessoas que não conhecem direito, ou que conseguem sentir-se atraídas em pouco tempo.
Entre a sexualidade e a assexualidade, temos a chamada “gray-area”, “gray-a” ou “área cinza”, na qual estão inseridas todas as pessoas que não são nem absolutamente sexuais, nem absolutamente assexuais. É aí que estão os demissexuais. Quem é demi é passível de sentir atração por determinadas pessoas, aquelas com as quais já tem contato emocional. Esse contato emocional não é necessariamente paixão ou amor romântico; pode ser amizade, companheirismo ou mesmo um laço emocional forte criado entre ídolo e fã. O último caso, por mais absurdo que possa parecer a leitores não muito acostumades, é bastante comum. O tumblr Confessions of a Demisexual já recebeu perguntas relativas a essa forma de contato emocional.
Ainda que não exista uma letra A na sigla LGBT – letra da qual eu sinto muita falta, diga-se de passagem -, é geralmente nos meios LGBTs que assexuais e pessoas na área cinza em geral se sentirão acolhidas e representadas politicamente. Como todas as outras coisas, no entanto, isso não é regra; nem todos os grupos LGBTs acolhem assexuais da mesma forma que o fazem com outras orientações, e muitas pessoas assexuais não se sentem bem em meio à comunidade LGBT. (Como forma de reagir à pequena abrangência da sigla LGBT, a Universidade de Vermont, no Canadá, propôs a sigla MSGI, Minorities in Sexuality and Gender Identity, mas não tenho dados sobre a aderência dos movimentos a tal denominação.)
Demissexuais também sofrem preconceito. Nesse caso, é especialmente oportuno lembrar que não é necessário agredir alguém fisicamente para ser preconceituoso; muitas vezes, as formas mais cruéis de discriminação vêm de um olhar, uma palavra, uma ação simples, e não de uma surra. O preconceito que sofro, enquanto demissexual, é bastante velado: está presente na não-legitimação da minha orientação sexual, na maioria das vezes. É bastante comum que eu explique o que é uma pessoa demissexual e meu interlocutor me responda da seguinte forma: “mas todo mundo é assim!”. Não é preciso pensar muito para se chegar à conclusão de que isso não é verdade; por mais que exista uma ilusão romântica de que o sexo só é bom com amor, ou que todas as pessoas deveriam fazer sexo com amor, isso não é regra (e nem deve ser). Além disso, não é só porque uma pessoa sexual jamais fez sexo com alguém que não ame que ela vai ser demi, muito menos tornar sexuais todas as pessoas demi; a orientação sexual diz respeito à atração que uma pessoa sente, e não às ações que toma em relação a esta.
Esse post é uma introdução ao tópico central do blog, que é a assexualidade em geral, com foco na demissexualidade. Provavelmente, eu retomarei assuntos que toquei superficialmente aqui.
Obrigada por ler!
Post publicado originalmente no blog Sobre o Cinza
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