Encontrei aqui em casa essa revista, Mente e Cérebro, de setembro de 2010. A matéria de capa é essa, “O lado bom da depressão”, que versa sobre a possibilidade de a depressão não ser uma doença, mas uma adaptação para a resolução de problemas graves. Não entrarei na discussão sobre o limiar da loucura e da sanidade, ou qual a definição de transtorno mental – uma das questões levantadas pela matéria da revista; o que eu quero discutir é outra coisa: o desserviço que essa matéria presta para os portadores da depressão.
Depressão não tem um “lado bom”. Alguém pode até dizer que é verdade, melancolia nos torna criativos, mas isso não é porque a depressão sirva como uma pílula da criatividade infinita, e sim porque a tristeza sufoca tanto, mas tanto, que você não tem por onde deixá-la sair, e o único recurso que resta quando os amigos acabam é a arte. Sobre resolver problemas, o outro tópico coberto pela sinopse da matéria na capa, uma coisa que eu aprendi com a minha depressão foi fugir deles, não resolvê-los. Depressão não dá a inteligência nem a clareza de pensamento que você precisa para resolver seus problemas; pelo contrário, com o tempo você percebe que a sua capacidade cognitiva vai se deteriorando, e seu pensamento fica cada vez menos claro, por diversos fatores.
Estar triste de vez em quando é saudável, contornável e faz parte da vida. Ter depressão não. Colocando na capa de um exemplar que um transtorno mental tão grave e que mata tanto (não tenho dados porque é impossível inferir que a causa da morte de alguém foi depressão sendo que a maioria não busca tratamento, mas, no Brasil, 17 milhões de pessoas sofriam com a depressão em 2010, segundo a própria revista) talvez não seja tão grave assim, e talvez seja até desejável, a revista está endossando a violência psicológica que os portadores de depressão sofrem quando buscam apoio em familiares e amigos e não o encontram – porque “você é forte, pode sair dessa”, “você não está se esforçando o suficiente”, “talvez se você tentasse, conseguisse se dar bem”, entre outras coisas que qualquer um que tenha depressão há um tempo considerável já deve ter escutado. As intenções dessas pessoas podem até ser boas, mas ouvir isso não ajuda, pelo contrário, só nos faz sentir piores, mais incapazes, mais inúteis por não conseguir tomar as rédeas da própria vida, como qualquer pessoa deveria ser capaz de fazer. E aí nós nos fechamos, não corremos atrás de tratamento, vamos guardando as coisas para nós, até que não aguentamos mais e entramos para as estatísticas de suicídio, causa da morte de 26 brasileiros por dia em junho de 2013, segundo a Folha.
Então, Mente e Cérebro, depressão não é saudável, não tem um lado bom e, por mais que também surja em sociedades muito diferentes da nossa, não quer dizer que seja uma adaptação. Talvez, quem sabe, isso tenha a ver com a bioquímica do cérebro das pessoas atingidas?
(Aliás, só mais uma coisa: “Ao comparar a composição da parte funcional do receptor 5HT1A [que estaria ligado aos casos de depressão] dos ratos à dos homens, notou-se uma similaridade de 99%, indicando que a molécula é tão vital que a seleção natural a preservou por milhares de anos desde o tempo em que viveu nosso ancestral comum.” Será que esse receptor surgiu no nosso ancestral comum? Será que ele se conservou mesmo? Não teve nenhuma regressão desde então? Como é a qualidade de vida dos seres produto dessas regressões, se existirem? Será que a seleção natural teria eliminado completamente de todos os lugares do mundo os seres vivos com esse receptor se ele fosse inútil?)
Esse texto foi postado no meu facebook em 1º de maio de 2014, mas, como esse blog é para ser uma reunião de opiniões minhas sobre diversos assuntos, achei digno colocá-lo aqui também.