Da relação monogâmica à poliafetiva, o caminho para a compreensão — e a tranquilidade — de estar junto de alguém respeitando limites, fronteiras e desejos
Trinta e sete anos. Namoros com mulheres e homens. Três lindos casamentos. Uma filha muito sabida e desejada, mas não planejada.
Este é o resumo de minha vida afetiva. Uma vida de belos abismos onde, não sem medo, me joguei. E me joguei graças ao privilégio de ter tido bons amores. Sim! Amar e ser amada é um privilégio, mas isso é assunto para outro texto.
Neste, vou contar como passei de monogâmica para poliafetiva, até o que sou hoje, uma adepta do amor livre. Mas aquele que é livre justamente para viver o que faz sentido para mim. Porque, às vezes, assim como na heterossexualidade e na monogamia compulsórias — essas que a gente aprende a viver como o ideal de relacionamento sem nem ser estimulada ou ter a oportunidade de conhecer outras possibilidades — a ideia de “liberdade” defendida por algumas pessoas não-monogâmicas pode se tornar só mais um jeito de querer dizer o que é “melhor ou pior”, “certo ou errado”.
E, né? 2021! Espero que todo mundo esteja no caminho de entender que isso não existe. Porque certo é o que deixa o coração tranquilo. “Felicidade é a ausência de angústia”, como diz a escritora Milly Lacombe.
Lá em 2016, eu tinha acabado de terminar um relacionamento, uma bonita história de sete anos com a segunda mulher da minha vida, no sentido mais romântico possível. Sim, pensei que seria casada eternamente com aquela mulher pela qual me apaixonei, depois amei, depois cresci e dividi muitas coisas, depois acabou. Sim, acaba. Mas eu achei que não acabaria mais. Não depois de eu mesma já ter vivido uma outra história igualmente linda e importante, com outra mulher da vida.
Eu pensei: “Agora sim! Já passei por algumas coisas. Ela também. Estamos prontas. Essa é pra sempre, certeza!” Mas não foi, e eu fiquei bem sem chão. Aquele clichê: “Não vai acontecer de novo. Já tive o amor da minha vida e agora é isso. Vou seguir os dias e, quem sabe, ter umas histórias legais por aí. E, claro, vou dar uma circulada, né?” Desde sempre em casamentos longos e monogâmicos, nunca tinha dado uma circulada. Pensei que seria a hora de pegar geral.
Mas, aí, conheci Gabriela. Cara! Conheci Gabriela! Numa mesa de bar, conheci essa mulher maravilhosa e quieta, que estava acompanhada do marido, mas mesmo assim me olhava de um jeito diferente. Na minha caixinha sapatão tradicional brasileira — monogâmica e que casa logo (adoro também, aliás ❤) — não entendi nada. “Que que essa mulher tá me olhando? Assim, na frente do marido?”
A noite acabou, Gabriela fez contato mais intenso quando nos despedimos e pronto. Cheguei em casa e stalkeei. Há! Entendi e soube melhor depois. Ela e o cara eram casados, sim. Os dois mais uma mulher. E viviam um relacionamento poliafetivo aberto, ou seja, podiam não apenas sair com outras pessoas, mas também criar vínculos afetivos com elas, construir outras relações ao mesmo tempo, outras parcerias além da que eles tinham enquanto núcleo familiar que eram.
Eu, que jamais tinha imaginado estar em um relacionamento aberto, me vi apaixonada por esta mulher e querendo estar com ela, permanecer. No entanto, para estar com ela eu precisava estar também dentro deste modelo de relação. Compreender — e ficar tranquila com — o fato de ela querer estar comigo, estando com outra pessoa.
A real? Não foi fácil e muito menos orgânico. Uma situação totalmente nova. Sentimentos totalmente inéditos. Bons e ruins, é verdade.
Nesse processo, muitas vezes me senti menor por achar que tudo o que eu sabia sobre se relacionar me datava num período jurássico dos relacionamentos. Era o que eu pensava quando algumas coisas doíam e eu não tinha coragem de perguntar e ficar parecendo muito “inadequada” para a contemporaneidade (risos nervosos).
Mas muitas vezes senti muita força por me permitir algo novo que, eu jamais podia supor, também me fazia bem. Porque fui vendo que, deste lugar, surgiu uma outra pessoa. Alguém que se reviu e se permitiu amar de um outro jeito. Amar Gabriela. Amar outras mulheres. Surgiu uma mulher que aprendeu a fazer não apenas perguntas sobre as dores, mas entendê-las com mais profundidade e transformá-las. Ou não. Porque há limites. Sempre há limites.
E até por conta deles, talvez, Gabriela e eu tenhamos nos separado por um tempo. E, nesse período, ela engravidou. Desejo antigo, que enquanto estivemos juntas sempre foi posto com muito brilho nos olhos. A torcida era grande. Eu desejava, profundamente, que ela tivesse a felicidade de receber esta criança.
E recebeu. Amora. Uma filha muito amada. Por Gabriela e seu ex-marido. Por mim e pela nova esposa dele. Esse modelo de família nada comum, mas que está aprendendo, cotidianamente, a existir em plenitude.
Hoje, Gabriela e eu estamos reaprendendo nossos espaços nesta nova relação que vivemos. Porque é, sim, nova. Nos casamos e decidimos estar apenas uma com a outra. E com Amora. Aprendemos que é o que faz sentido para a gente e para o amor que queremos construir neste ponto de nossa vida. Isso pode mudar. Ou não. Não sabemos. Quem sabe? A real é que a gente nunca sabe.
E a gente acaba se apegando muito àquilo que a gente acha que sabe, a uma suposta ideia de segurança. Isso vale para a monogamia. E vale para a não-monogamia também.
No fim, penso que a gente não é coisa nenhuma. A gente está.
A gente sempre está.
E nesse processo de ir se sabendo, acredito que o que importa mesmo é o quanto a gente se conhece. A gente precisa sempre conhecer e entender quais são nossas fronteiras. Mesmo quando a gente aprende que elas podem ir além do que aprendemos, elas existem. E precisam ser respeitadas.
Porque amor nenhum deve nos desviar do cuidado em deixar permanecer em nossas vidas só aquilo que nos deixa em paz.
Nenhum amor vale mais que isso, seja ele monogâmico ou não.
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