Educação sexual de mulheres Lésbicas e Bissexuais

Nessa 1ª blogagem coletiva pela semana da visibilidade lésbica e bissexual, gostaria de falar um pouco sobre a saúde sexual das mulheres e propor uma reflexão sobre o assunto.
É bastante comum nos depararmos com programas do governo e campanhas que orientem homens e mulheres quanto à importância da educação sexual, da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de gestações indesejadas, e também é comum campanhas voltadas para os homossexuais masculinos, incentivando o uso de preservativos… mas, alguma vez alguém viu uma campanha voltada para as mulheres lésbicas? Confesso que nunca vi, e eu sou enfermeira (apesar de não trabalhar na rede pública)!
Existe um livreto elaborado pelo Ministério da Saúde chamado “Chegou a hora de cuidar da saúde” com algumas orientações voltadas para as lésbicas e bissexuais. É bem resumido, mas não deixa de ser interessante. Quem quiser baixá-lo, poderá encontrá-lo nesse link:
Durante a minha faculdade a professora de Saúde da Mulher também nunca tocou nesse assunto, o que acho muito grave, visto que nós, enfermeiros, quando ocupamos um cargo na saúde pública (Atenção Básica, Programa Saúde da Família, etc), somos encarregados de realizar exames ginecológicos de rotina e orientar as mulheres quanto aos cuidados relacionados à suas vidas sexuais.
Essa ausência de informações específicas voltada para a saúde da mulher lésbica e bissexual é, ao meu ver, um problema de saúde pública! Existe um tabu que ronda esse tema e que acaba afastando essas mulheres dos serviços de saúde. Conheço muitas lésbicas que nunca procuraram um serviço ginecológico e percebo que poucas compreendem a importância disso! Muitas não procuram por acharem desnecessário, mas temo que grande parte não procure por medo de sofrer algum tipo de preconceito, e, infelizmente,  não as condeno por isso: nós, profissionais da saúde, raramente somos preparados para lidar com homossexuais, especialmente mulheres e, infelizmente, muitos não são preparados para que seu profissionalismo supere seus preconceitos pessoais!
Eu mesma confesso ser MUITO relutante com relação a médicos!
Tenho uma ginecologista de confiança, a qual me foi indicada há alguns anos por uma conhecida que também é lésbica e me garantiu que a médica não era preconceituosa! E, mesmo assim, fui bastante relutante na primeira consulta. Deu tudo certo, a médica realmente é ótima e nunca demonstrou nenhum tipo de preconceito com a minha orientação sexual… mas eu tenho plano de saúde e pude escolher. E as mulheres que dependem dos serviços públicos e não tem essa opção?
Creio que essa inexistência de campanhas e orientações para as mulheres lésbicas seja uma consequência de uma sociedade não só homofóbica, mas principalmente machista. Às vezes sinto que a preocupação com doenças só existe quando há um “pênis” envolvido! Como se tudo que não envolve um pênis não fosse sexo “de verdade” (que é o que muita gente machista e preconceituosa realmente pensa). E, o que também é muito grave: é muito comum vermos mulheres que se preocupam com métodos contraceptivos apenas por medo de engravidar, e não por medo de contrair doenças! Logo, se o sexo é com outra mulher, não há motivo de preocupação!
Só que não é bem assim!
Lésbicas podem, sim, contrair doenças sexualmente transmissíveis, especialmente através do sexo oral e da penetração com acessórios compartilhados, como, por exemplo: tricomoníase, vaginoses, hepatites B e C, sífilis, gonorreia, HPV, herpes genital e, claro, HIV, além do risco de infecções urinárias.
Isso, claro, sem falar nos riscos de desenvolvimento de câncer de ovário, útero e mama, que podem não ser detectados a tempo e chegar a um estágio grave e irreversível com a ausência de exames preventivos!
Muitas lésbicas temem o exame Papanicolau pelo fato de não fazerem sexo com penetração e ainda preservarem o hímen, porém, isso é um mito que precisa ser derrubado: é totalmente possível realizar o exame em mulheres com hímen! Por isso os profissionais da saúde deveriam ser preparados para lidar com tais situações e orientados sobre como agir nesses casos (usar materiais específicos para mulheres “virgens”, por exemplo).
Outra situação muito grave é que muitas lésbicas, por medo do preconceito do profissional da saúde, acaba mentindo e/ou omitindo sobre sua orientação sexual, alegando ser heterossexual ou, pior, alegando ser virgem! Isso é muito grave, pois essas mulheres receberão orientações não condizentes com a sua situação e, consequentemente, não serão orientadas quanto aos cuidados necessários para a prevenção de doenças no sexo entre duas mulheres.
Uma pesquisa de 2012 realizada pela Secretaria do Estado de Saúde de SP num levantamento com 145 mulheres homossexuais entre 18 e 61 anos coletou dados alarmantes: somente 2% se previnem durante o sexo e mais de 30% tinham desequilíbrio na flora vaginal.
De acordo com matéria realizada pelo G1,
“Segundo o Centro de Referência e Treinamento DST/Aids da secretaria, responsável pela pesquisa, as mulheres que mantêm relações com suas parceiras desconhecem que podem pegar as mesmas doenças que as heterossexuais. Entre as lésbicas entrevistadas, 33,8% tinham um desequilíbrio da flora vaginal chamado vaginose bacteriana, que causa corrimento. Já exames de fungos mostraram um crescimento em 25,6% das 121 amostras recolhidas – nem todas participaram desse teste. Além disso, o parasita Trichomonas vaginalis, que causa a DST tricomoníase, foi registrado em 3,5% dos casos. Esse protozoário provoca uma infecção nos genitais que pode não ter sintomas ou se manifestar com um corrimento amarelado e malcheiroso, coceira, dor abdominal e ardência ao fazer xixi. No exame Papanicolau, 7,7% das lésbicas analisadas tiveram um resultado anormal. A contaminação pelo vírus do papiloma humano (HPV), que costuma causar verrugas e pode levar ao câncer de colo do útero, foi vista em 6,3% das mulheres. Das 136 participantes que fizeram o teste de HIV, 2,9% tiveram diagnóstico positivo, mas todas já conheciam sua condição sorológica. Na análise de hepatite B, 7% receberam resultado positivo e, na C, 2,1%. De acordo com o médico Valdir Monteiro, que coordenou o levantamento, as mulheres justificam que mantêm relações sem proteção porque não têm noção do risco, confiam nas parceiras e desconhecem métodos de prevenção do sexo oral feminino.”
E o que fazer para prevenir a transmissão de doenças durante o sexo entre duas mulheres?
A camisinha convencional pode ser usada, cortada verticalmente, no caso do sexo oral, e também existe uma proteção de látex vendida em casas de material odontológico ou um protetor de língua. Para quem gosta de acessórios como vibradores, pênis de borracha e brinquedos sexuais, o uso do preservativo comum é fundamental, principalmente se os objetos forem compartilhados. E, obviamente, esses acessórios precisam ser constantemente higienizados!
Ainda nessa pesquisa, 33,1% das lésbicas disseram que usam acessórios na hora do sexo. Destas, 70,8% utilizam pênis de borracha e 45,8% os compartilham. Apenas 54,5%, porém, trocam a camisinha ao dividir os objetos com outra pessoa.
O médico destaca que, se a mulher perceber corrimento vaginal, coceira, dor na relação sexual, verrugas ou feridas, deve consultar um ginecologista imediatamente.
Orientações sobre DSTs, prevenção e tratamentos podem ser obtidas pelo Disk-Aids, um serviço telefônico gratuito disponível nos números 0800 61 1997 ou 0800 16 2550.
Essa é uma situação que exige consciência tanto do governo quanto dos profissionais da área da saúde e, principalmente, das próprias mulheres! Cuidem-se, meninas! Tomem todas as precauções para prevenir DSTs!
Falando mais um pouco sobre as falhas na área da educação sexual, podemos abordar também mais duas importantes questões relacionadas à educação reprodutiva das mulheres lésbicas: a área de reprodução assistida e da gestação e parto.
Apesar da Resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) autorizar a realização de tratamentos na área da reprodução assistida (Inseminação Artificial, Fertilização in Vitro, etc) para casais homoafetivos, muitas mulheres que buscam esses serviços em clínicas privadas ainda encontram preconceito por parte de alguns profissionais. Quanto aos poucos hospitais que realizam esses tratamentos pelo SUS, não posso afirmar com certeza, mas já obtive algumas informações de que muitos só aceitam casais heterossexuais com infertilidade conjugal (dificuldade de engravidar após 12 meses de relações sexuais desprotegidas) ou com algum tipo de esterilidade, o que descartaria casais homossexuais.
Recentemente entrei em contato com o serviço de reprodução assistida do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte e recebi essa resposta:
“Para ter acesso ao Serviço, é necessário que o casal procure um Posto de saúde perto de sua residência (se for do interior de Minas ou de outros estados, precisará procurar a Secretaria de Saúde de seu município). Uma consulta será marcada no Posto de Atendimento Médico – PAM do bairro Sagrada Família, em Belo Horizonte/MG. Caso fique constatado que o casal precisa recorrer à reprodução assistida, o PAM providenciará o encaminhamento para o HC/UFMG. O tratamento é custeado pelo SUS, no entanto, a medicação indispensável na indução da fertilização deve ser adquirida pelo casal. O custo dos medicamentos gira em torno de 4 a 5 mil Reais. Por ser o único centro no Estado que atende pelo SUS, a fila hoje está em torno de 3 a 4 anos.”
Cogitei a hipótese de tentar marcar uma consulta no PAM para maiores informações a respeito do tratamento custeado pelo SUS (para saber se realmente casais homoafetivos podem ter acesso a esse serviço), mas confesso que a fila de espera de 3 a 4 anos me deixou um pouco desanimada!
Mas, basicamente, eu diria que grande parte dos serviços de reprodução assistida não está preparada para lidar com casais formados por duas mulheres.
Quanto à gestação e parto, não é muito difícil imaginar que lésbicas tenham uma grande chance de sofrer preconceito com profissionais da área da saúde, especialmente durante o parto em âmbito hospitalar. Uma pesquisa sobre violência obstétrica no Brasil citou um exemplo de homofobia num hospital público do ES, onde o Conselho Tutelar foi acionado através de uma denúncia da maternidade perante uma parturiente que se declarou lésbica! A mesma pesquisa mostra discriminação com parturientes negras e solteiras e outras pesquisas sobre o assunto também mostram que gestantes solteiras têm chances maiores de serem discriminadas em serviços de saúde. Não custa lembrar que, mesmo atualmente, com a união civil entre homossexuais legalizada, a fatia homofóbica da sociedade (onde infelizmente se inclui profissionais da área da saúde) continua considerando mulheres e homens em relacionamentos homoafetivos como ‘solteiros’.
Penso que nos últimos anos as conquistas para a população lésbica foram grandes, mas ainda há muito pelo que se lutar! Precisamos com urgência aumentar nossa visibilidade no âmbito da saúde, exigindo um maior preparo dos profissionais e dos serviços de saúde públicos e privados para uma assistência digna e de qualidade!
Para quem quiser se aprofundar mais no assunto, recomendo a leitura do dossiê “Saúde das Mulheres Lésbicas”, realizado pela Rede Feminista de Saúde e  disponível nesse link:http://www.cfess.org.br/arquivos/dossie_da_saude_da_mulher_lesbica.pdf
Fontes:

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