No Consultorio

Fui até a Ginecologista para fazer exames de rotina, quando ia lhe entregar os resultados dos exames, antes mesmo que ela avaliasse, sua primeira pergunta é como é que eu faço para evitar filhos.

Gin.- Como você faz para evitar filhos?

Eu – Eu não faço nada porque eu sou lésbica. ( depois do episódio, vejo que é mais do que necessário dizer a orientação sexual em consultórios ginecológicos por uma questão de saúde pública, de visibilidade e atenção à mulher lésbica e bissexual)

A ginecologista arregala os olhos e me diz em um tom esquisito:

Gin. – Mas isso não tem nada a ver porque tem casal de lésbicas que tem filhos.

Pensei que evitar e querer ter filhos são duas coisas diferentes, mas ela prosegue:

Gin – E desde quando você descobriu que você é homossexual?

Eu- Bom, eu sei que gosto de mulheres desde os 12 anos.

Gin- E os seus pais sabem disso? ( nesse momento já imaginei o teor da conversa)

Eu – Sabem.

Gin – E como eles lidam com isso?

Eu- É difícil pra eles, eles são de uma família bem conservadora, são bastante tradicionais. Imagina que aqui no bairro não tem nenhum órgão que pudesse dar apoio a eles, nem a mim quando tive que lidar com a novidade na adolescência. Tive que me virar sozinha.

Gin- É daí vocês vão tudo pra Augusta, né?! Pra Avenida Paulista!

Eu- É, também vamos pra lá.

Gin- Olha, vou te dizer uma coisa, eu sou homofóbica ( quando ela disse isso com tamanha honestidade, eu escutei um EU SOU HOMOFÓBICA, meus ouvidos aumentaram de tamanho pra escutar essa mulher que me atende e me diz sem pudor sobre sua homofobia), mas eu sou homofóbica masculina, não sou homofóbica feminina.

Eu – (com cara de surpresa e de interrogação)

Gin – Imagina só dois homens, um pênis dentro do cu, imagino que aquilo deve encher de bosta, que nojo, eu tenho nojo disso! ( nesse momento ela já estava começando a ficar exaltada)

Eu- Mas mulheres e homens também fazem sexo anal.

a Assistente que até então não tinha se pronunciado: – É, tá a maior moda a mulherada falar de sexo anal.

Gin- Eu sou homofóbica, eu sou homofóbica desde criança e sabe de uma coisa? Isso de ser homofóbica caiu aqui ó ( e aponta com suas duas mãos pra si mesma) MEU FILHO É HOMOSSEXUAL!

Depois de falar sobre o filho, ela começa a falar sem parar:

– Quando meu filho disse que é gay, no começo eu ainda o levava para a faculdade lá na avenida Paulista, enquanto eu dirigia ele tentava passar a mão dele sobre a minha e eu sentia nojo dele, eu tirava a mão dele de cima da minha. Agora eu não consigo nem olhar na cara dele direito, se me ligarem do hospital dizendo que tem alguém espancado lá no hospital eu não vou ver filho viado morto no hospital.

Eu – Pois é Marilene, se você acha que tá sofrendo, imagina seu filho, ele tá sofrendo muito mais sem o seu apoio.

Gin – Sabe o que eu sinto, eu sinto raiva!

Eu – Pois é, essa raiva que vc sente, muitos pais e mães sentem quando ficam sabendo que os filhos são gays. É uma fase. Vc ta vivendo um luto, de um filho que não é heterossexual como vc imaginava.

A assistente diz: Ah, então é normal sentir essa raiva?

Eu: É comum.

Gin – Mas faz um ano que eu sinto essa raiva!!! Eu vou na psiquiatra e eu falo de tudo, menos sobre isso, ela me pergunta e eu digo pra ela que não quero falar sobre isso!

Eu – Então, pra passar essa raiva você devia falar disso, você tem que enfrentar, se você não enfrentar isso não vai passar. Tem uma mulher, ela chama Edith Modesto, que aconteceu a mesma coisa com ela, quando soube que seu filho caçula era gay, passou por essa fase de raiva e desespero,  mas depois ela foi procurar informações, até que criou um grupo de pais de homossexuais, chama-se GPH. Ela também escreveu um livro chamado: “Mãe sempre sabe”… Dá uma procurada na internet.

Daí eu pego o bloco em que ela prescreve suas receitas médicas e escrevo: ” GPH – Edith Modesto”.

Gin – Olha, é sempre eu que tenho que lidar com tudo porque sou eu que mando em casa, meu marido é um banana! Eu falo pro meu filho que ele tem que falar comigo só na hora em que eu falar com ele, responder só quando eu perguntar alguma coisa!E sabe de uma coisa, acho que meu filho do meio também é gay! Mas este eu aceito, ele não me diz que é gay mas ele é feminino desde criança, ele inclusive fuma cigarro assim ó ( e imita o filho fumando cigarro).

Eu – E porque você aceita um e não aceita o outro?

Assistente – É… porquê?! ( a assistente também se indigna com a injustiça)

Daí ela diz que não sabe e diz que sabe muito bem como é ser gay, porque tinha amigos gays na faculdade, inclusive uma lésbica da turma deu em cima dela e teve que sair da turma por causa disso.

Eu: (com cara de surpresa de interrogação de novo)

Gin: Mas eu não sou homofóbica feminina, eu até vejo uns filmes e me excito, eu devo ser bissexual e começa a rir.

Depois de ela dizer tanta coisa, com tanta raiva e emoção a conversa termina. Antes de sair do consultório eu perguntei sobre meus exames.

 Eu saí do consultório eufórica, pensando o quão queer é dizer-se lésbica num consultório ginecológico. Pensei que eu talvez tenha sido a primeira mulher a dizer que é lésbica atendida por ela ( ela deve ter pelo menos 15 anos de carreira, avalio pelo tempo que existe o consultório) e fiquei pensando também como seria a conversa se fosse outra a paciente que dissesse que é lésbica. É até compreensível que ninguém tenha dito, visto que qualquer frase que ela emite parece parte de um interrogatório, ela tem um tom meio seco, brusco de falar. Algumas  amigas disseram que teriam mandado ela à merda… mas há gays e homofóbicos em todo lugar, pacientes lésbicas, filhos gays de ginecologistas-talvez-bissexuais-em todo lugar e a gente precisa receitar alguns grupos, algumas pessoas.

Lilian Aparecida