“Controle”, publicado em 2019, é o primeiro romance de Natalia Borges Polesso, autora brasileira cujo nome é conhecido por fãs de literatura LGBTQIA+. O livro tem como protagonista Nanda, e narra boa parte de sua vida – da infância até a idade adulta. Quando criança, Nanda sofre um acidente de bicicleta e tem revelado em seguida o diagnóstico de epilepsia. Isso gera uma superproteção de seus pais, bem como incompreensão de seus colegas de escola, transformando uma criança ativa em uma reclusa.
Como indicado, “Controle” traz o retrato de um longo período na vida de Nanda, iniciando aos 9 anos e indo até o começo de seus 30 e poucos. Ocorre que, sendo a narração em primeira pessoa, temos uma narradora “não confiável” quanto à passagem do tempo – já que a reclusão de Nanda gera nela um descompasso quanto ao que é esperado pela sociedade em cada fase de nossa vida.
A narração e o “descompasso” de Nanda trazem também uma consequência “física” ao livro: com 176 páginas, ele pode ser consumido de uma vez só. Essa imersão faz ainda mais sentido considerando um dos temas recorrentes na obra, que é o mergulho que Nanda faz na música. Nesse sentido e trazendo aqui outra característica física, já pela capa podemos notar a referência ao álbum “Power, Corruption & Lies”, da banda britânica New Order, favorita da personagem.
Temos então duas passagens de tempo sentidas na leitura – a própria de Nanda e a da nostalgia sentida para quem, como ela, viveu os anos 80/90/início dos 2000. Menções ao New Order não são poucas, mas também temos Radiohead, Björk, Madonna, softwares de download e celulares do começo de século.
Mas a nostalgia que vai ser mais sentida é a de um primeiro amor que, por inúmeros motivos, não chegou a se concretizar plenamente. Outra situação narrada no livro e muito comum é a de se sentir alheia ao controle da própria vida – Nanda se sente assim por causa da epilepsia, mas para quem está lendo pode ser outra coisa. Ver que o tempo passa e que não estamos aproveitando plenamente nosso potencial (seja de que forma este for exercido) é algo melancólico para qualquer ser humano.
Aqui, inclui-se o potencial de descobrir a própria sexualidade – no caso de Nanda, ela não apenas entendeu que gosta de mulheres como também que é uma pessoa que deseja (e, ao final, que pode ser desejada). Esse sopro de vida, que pode parecer tão simples para muitos, é um dos ápices do livro e das realizações de Nanda – e com certeza de muitas das pessoas lendo “Controle”.
Apesar das características próprias da obra, como se passar no interior do Sul, as músicas de New Order e a epilepsia de Nanda após acidente de bicicleta, há muito material para se sentir representada em “Controle”, um dos muitos trunfos de Natalia Borges Polessa em sua escrita.