Você entende como o cérebro do seu filho funciona? Isso pode ser fundamental para acabar com aqueles ataques de manha. Esse é um dos destaques de um recente livro lançado por dois pesquisadores norte-americanos que têm uma experiência importante no currículo: o dia a dia com os filhos. Confira como os estudos da mente podem ajudar a família a sobreviver aos conflitos do crescimento
Fernanda Carpegiani
Certa noite, o filho de 7 anos da norte-americana Tina Bryson apareceu na sala e disse: “Estou bravo porque você nunca deixou um bilhete para mim de madrugada!”. A mãe, sem entender direito, respondeu: “Eu não sabia que você queria isso”. Irritado, o menino disparou de uma só vez: “Você nunca faz nada de legal por mim, e eu estou bravo porque meu aniversário é só daqui a seis meses, e eu odeio lição de casa!”. Se você tem um filho nessa idade, é bem provável que já tenha passado por situações parecidas. E a resposta que vem à mente na hora é: “Como assim? É claro que eu faço coisas boas por você! E, sinto muito, mas você vai ter que esperar pelo seu aniversário. Quanto à lição de casa, oras, é algo que você precisa fazer!”, e por aí vai. Mas Tina sabia que isso não resolveria o problema.
Sua experiência como psicoterapeuta de crianças e adolescentes e estudiosa do cérebro humano lhe deu uma noção muito clara e ampla de como a mente de seu filho funciona. E a impulsionou, ao lado do psiquiatra Daniel Siegel, professor da escola de medicina da Universidade de Califórnia (EUA) e pai de dois filhos, a escrever The Whole-Brain Child: 12 Revolutionary Strategies to Nurture your Child’s Developing Mind (algo como O Cérebro Completo da Criança: 12 Estratégias Revolucionárias para Nutrir a Mente em Desenvolvimento do seu Filho), lançado no final do ano passado nos Estados Unidos e ainda sem previsão de chegada ao Brasil. Com informações que vão além dos estudos científicos, Tina e Daniel explicam, de forma simples e prática, como os pais podem usar os conhecimentos da ciência sobre o funcionamento do cérebro para lidar melhor com situações do dia a dia dos filhos e, ao mesmo tempo, incentivar que eles cresçam e se desenvolvam aproveitando o máximo de suas experiências.
Ao ver o filho chateado e confuso, Tina decidiu aplicar a primeira das 12 técnicas descritas: “Conectar e redirecionar: Surfando pelas ondas de emoções”. Ela percebeu que o menino estava enfrentando um vaivém de sentimentos ligados ao lado direito do cérebro, que trabalha com a emoção e não com a lógica. Então o abraçou, passou a mão em suas costas e disse, com um tom carinhoso: “Às vezes é muito difícil, não é? Eu nunca me esqueceria de você. Sempre penso em você e quero que saiba como é muito especial para mim”. Ele relaxou e logo começou a falar do ciúme que tinha do irmão mais novo, de 4 anos (o mais velho tem 12), e como achava que a lição de casa tomava muito do seu tempo. Se ela tivesse sucumbido ao primeiro pensamento, de responder com a lógica, os dois jamais teriam tido essa conversa.
Criar seu filho pensando cientificamente em como um cérebro funciona pode parecer muito complexo – e até meio maluco. Mas faz sentido e até, digamos, é natural depois que os autores explicam como o desenvolvimento da mente se reflete na prática no comportamento das crianças em cada idade. Eles mostram como identificar as emoções das crianças e agir conforme isso para, então, contornar os conflitos do dia a dia. Em entrevista à CRESCER, a psicoterapeuta Tina Bryson falou sobre a pesquisa feita para escrever o livro e de como ser mãe a ajudou a entender o funcionamento do cérebro – e vice-versa.
CRESCER: Como o fato de vocês serem pais influenciou o trabalho de pesquisa e a redação do livro?
Tina Bryson: Como cientistas, nós prezamos pela precisão e exatidão. Como pais, buscamos a compreensão prática. Lutamos com esta tensão e cuidadosamente consideramos a melhor forma de apresentar as mais novas e importantes informações, fazendo isso de forma clara, útil e que pudesse ser aplicada na prática. Muitas das histórias que contamos no livro são de nossas próprias experiências como pais ao aplicar o conhecimento que temos sobre o cérebro. Nós formulamos e aplicamos as estratégias pessoalmente em nossas casas e também as usamos exaustivamente no consultório, com as crianças que atendemos. Muitos pais que usaram nossas técnicas relataram que isso os ajudou a superar momentos difíceis e a criar seus filhos com amor e carinho, além de fazer com que as crianças prosperassem e aprendessem mais sobre como sua mente funciona.
C.: Algo a surpreendeu como mãe durante a pesquisa feita para o livro?
T.B.: Bem, a ciência e as abordagens práticas que usamos com as famílias em nosso consultório com certeza nos transformaram em pais melhores. Mas isso não foi uma surpresa, porque sempre pensamos e agimos de acordo com o funcionamento do cérebro da criança quando vamos tomar nossas decisões como pais. E sempre funcionou. Os pais ficam muito surpresos ao ler o livro e percebem que saber apenas um pouco sobre o cérebro e como ele trabalha já ajuda muito na criação dos filhos, e faz uma enorme diferença no desenvolvimento do cérebro da criança. Algumas pesquisas indicam que as abordagens que os pais geralmente usam em situações difíceis não são as melhores possíveis. Por exemplo, alguns pais acreditam que deveriam ignorar a birra e outras reações emotivas de seus filhos, mas a ciência nos mostra que, quando os pais são sensíveis e respondem a esses momentos, eles ajudam a regular o cérebro da criança e faz com que ela tenha menos reações como essas ao longo do tempo.
C.: Mas como, na prática, os pais podem usar os conceitos que vocês ensinam no livro?
T.B.: Às vezes os pais tentam de tudo, mas não conseguem tirar os filhos de uma crise. O que eles precisam é estar presente, fisicamente e emocionalmente, e disponível para dizer: “Eu estou aqui do seu lado, inclusive nos momentos difíceis. Me avise se precisar de ajuda para se acalmar. Eu estou bem aqui”. E aí você toma as rédeas da situação com calma e tranquilidade. Uma das estratégias que ensino no livro é “Nomear para domar”, mas muitas vezes os pais querem que as crianças falem sobre o que está acontecendo naquela hora, só que elas não querem. Não é preciso forçar isso. Basta dar espaço e tentar novamente mais tarde, quando a criança estiver mais calma e receptiva.
C.: Qual o jeito de os pais aplicarem as técnicas criadas por vocês sem perder a espontaneidade da relação com as crianças?
T.B.: Uma das coisas boas dessas técnicas é que, assim que você as coloca em prática uma ou duas vezes, elas passam a ser naturais e espontâneas também. É uma nova forma de estar com os filhos que muda quem nós somos e de como podemos nos conectar com eles. Os pais podem genuinamente dizer: “Vou tentar algo novo para ajudar você”. A “folha de geladeira” (uma lista de tópicos que eles sugerem que pais escrevam e grudem na porta da geladeira) foi feita para ajudar os pais a lembrar dessas novas ideias, fazendo com que eles possam aplicá-las no lugar do que normalmente fariam e que não teria um bom resultado.
C.: Vocês também falam que os pais precisam aprender um pouco sobre o próprio cérebro para poder interagir melhor com seus filhos. Por quê?
T.B.: Quando os pais entendem suas próprias mentes, eles são mais capazes de entender prontamente a mente de seus filhos. Quando compreendem suas próprias limitações com relação a suas expectativas e a sua forma de lidar com emoções, eles podem ver e reagir às emoções e à mente de seus filhos de forma mais saudável e carinhosa. Isso é uma ótima notícia porque, quanto mais os pais trabalharem para se entender, melhores pais eles serão, e isso pode começar em qualquer momento da vida dos filhos.
Fonte: Crescer
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