Imagine abrir um diário que você esconde até de si mesma, onde cada página é uma confissão nua e crua. É assim que se sente ao ler Minha Experiência Lésbica com a Solidão, da mangaká Nagata Kabi. Não é apenas uma HQ, é um desabafo em preto e branco sobre saúde mental, identidade sexual e a solidão quase tangível de não se encaixar em nenhuma moldura social. Se você está esperando um romance lésbico fofo, esqueça. Este é um mergulho de cabeça em águas turvas, onde a autora se coloca à mercê de sua própria sinceridade brutal.
A narrativa acompanha Kabi, uma jovem japonesa de vinte e poucos anos, que luta contra depressão, transtornos alimentares e o peso esmagador das expectativas sociais. Sem um trabalho convencional, vivendo com os pais e sentindo-se desconectada do mundo, ela decide explorar sua sexualidade de uma forma quase pragmática: contratando os serviços de uma profissional do sexo. O encontro é o ponto de partida para uma reflexão intensa sobre o corpo, o desejo e a busca por conexão em uma sociedade que sufoca emoções autênticas.
O traço simples, quase infantil, contrasta de forma magistral com a densidade temática. Kabi desenha como se estivesse escrevendo notas em um caderno escolar, o que só aumenta a sensação de vulnerabilidade. A arte é cheia de nuances emocionais – pequenas linhas que explodem em crises de ansiedade e silêncios visuais que dizem mais do que qualquer diálogo poderia. O mangá funciona como um monólogo dolorosamente honesto, mas também como um espelho que reflete os pedaços mais escondidos de quem lê.
Apesar de sua força, há algo desconfortavelmente abrupto na forma como certos temas são apresentados e, por vezes, encerrados. Algumas questões poderiam ser mais aprofundadas – a relação com os pais, por exemplo, ou os desafios estruturais que mulheres lésbicas enfrentam no Japão. Ainda assim, essa escolha narrativa parece estar alinhada ao caráter fragmentado da própria vida da autora. Não há soluções fáceis, porque a vida também não as oferece.