À CNN, pessoas LGBTQ do Afeganistão relatam histórias de raiva e medo após a tomada de poder pelo grupo radical
Quando era adolescente no Afeganistão, Rabia Balkhi sentia que tinha sorte.
Apesar de ter nascido em um país com uma longa história de discriminação contra pessoas LGBTQ, a família de Balkhi a aceitou como lésbica.
No entanto, Balkhi disse que essa aceitação acabou colocando a vida de todos em risco, à medida que a nova liderança do Talibã em Cabul desencadeia uma onda de medo e violência física sobre a população de gays, lésbicas e pessoas transgênero do Afeganistão.
Assim que o Talibã retomou Cabul em agosto, Balkhi e sua família se esconderam. Os nomes de Balkhi e de cinco outras pessoas LGBTQ, que falaram à CNN de dentro do Afeganistão, foram alterados por razões de segurança. Balkhi escolheu usar o nome de uma famosa poetisa afegã que para ela é “corajosa” e uma “heroína”.
A estudante universitária de 20 anos é uma das centenas de pessoas LGBTQ no Afeganistão que estão pedindo ajuda de fora do país para ajudá-las a escapar do regime do Talibã. Dois ativistas LGBTQ de fora do Afeganistão disseram à CNN que tinham listas separadas, cada uma com centenas de nomes de pessoas que querem fugir.
“A situação piora a cada dia… O medo de ser presa faz parte da vida agora, e estou tão estressada que nem consigo dormir”, escreveu Balkhi em uma mensagem de texto para a CNN, sem revelar sua localização.
Ainda não está clara a severidade com a qual o Talibã aplicará suas leis religiosas contra os cidadãos e cidadãs LGBTQ do Afeganistão. Até o momento, nenhuma declaração oficial foi feita, mas em uma entrevista ao jornal alemão Bild em julho, um juiz do Talibã disse que havia apenas duas punições para a homossexualidade: o apedrejamento ou ser esmagado sob uma parede.
Em resposta a um pedido de comentário, um porta-voz do Talibã disse à CNN que eles ainda não tinham planos oficiais para sua população LGBTQ. “Quando tivermos algo, vou informá-los”, comentou.
As pessoas LGBTQ do Afeganistão com quem a CNN conversou disseram que ouviram relatos de amigos, parceiros e membros de sua comunidade sendo atacados e estuprados. Elas também estavam com medo de que fundamentalistas islâmicos e grupos de justiceiros, encorajados pelo novo regime, pudessem fazer o mesmo com elas – ou pior.
Balkhi disse que um homem gay de seu bairro foi estuprado depois de ser encontrado pelo Talibã.
Algumas pessoas LGBTQ disseram à CNN que estão escondidas há semanas em quartos e porões, olhando para o nada ou para o celular sem parar em busca de uma saída.
Algumas foram escondidas por amigos que estão ajudando a vigiar e levar suprimentos. Outras disseram ainda que estão sozinhas, isoladas e sem comida.
Mas todas contaram à CNN que se sentem abandonadas pela comunidade internacional, agora que os voos de evacuação para fora do país foram concluídos e o Talibã está pressionando para normalizar as relações com nações ocidentais. As pessoas LGBTQ disseram que precisam de ajuda para escapar dos combatentes do Talibã antes de serem descobertas e terem de enfrentar as leis brutais do novo regime.
Preconceito ressurgente
Mesmo antes de o Talibã assumir o poder em agosto, a vida não era fácil para pessoas LGBTQ no Afeganistão.
Um relatório de 2020 do Departamento de Estado dos EUA sobre o Afeganistão afirmava que as pessoas LGBTQ enfrentavam “discriminação, agressão e estupro”, bem como perseguição e prisão por parte das autoridades. “A homossexualidade era amplamente vista como sendo indecente e um tabu”, segundo o relatório.
No governo anterior, as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo eram ilegais e puníveis com até dois anos de prisão.
Essas leis nem sempre eram aplicadas, mas deixavam as pessoas LGBTQ vulneráveis a extorsão e abusos por parte das autoridades, de acordo com um relatório do governo do Reino Unido publicado em 2013.
As pessoas LGBTQ no Afeganistão com quem a CNN conversou disseram que, antes da tomada do poder pelo Talibã, enfrentavam regularmente a discriminação, incluindo abuso verbal e ameaças de violência física, mas que pelo menos havia um espaço para elas na sociedade.
A situação piora a cada dia… O medo de ser presa faz parte da vida agora, e estou tão estressada que nem consigo dormir
Rabia Balkhi, mulher LGBTQ no Afeganistão
Nemat Sadat, um autor afegão LGBTQ que vive nos Estados Unidos, disse que os cidadãos e cidadãs gays, lésbicas e transgênero do país ajudaram no florescimento da vida cultural do país nos 20 anos desde o último governo do Talibã.
“Pessoas trans dominaram o setor de cosméticos e trabalhavam como maquiadoras… Havia shows, desfiles de moda, e tudo isso era dominado pela comunidade LGBTQ”, afirmou.
Embora poucas se sentissem à vontade ou seguras para serem abertamente gays, lésbicas ou transgênero antes da retomada do poder pelo Talibã, muitas das pessoas LGBTQ que falaram com a CNN disseram que conseguiram construir silenciosamente uma vida fiel às suas identidades.
Balkhi contou que, por um tempo, teve uma namorada com quem conseguia se encontrar secretamente nos fins de semana. Hilal, um homem gay de 25 anos, disse que tinha um namorado e até defendeu abertamente os direitos LGBTQ no Afeganistão.
Agora escondido, Hilal disse que poucos podiam prever a velocidade com que a situação no Afeganistão se deterioraria. “Não dava para imaginar que o governo entraria em colapso tão rapidamente”, lamentou.
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