Nos últimos anos, a capital argentina conquistou um status que teria sido impensável antes do mês de julho de 2010, quando o Congresso do país aprovou, por ampla maioria, a lei 26.618, que reconhece o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. A iniciativa deu ainda mais impulso ao turismo em Buenos Aires, no segmento, e hoje a cidade é considerada o destino LGBT mais importante da América Latina, segundo pesquisa divulgada na última Conferência Internacional de Negócios e Turismo LGBT, realizada recentemente na Argentina.
O governo portenho estima que todos os anos 450 mil turistas da comunidade LGBT desembarcam na cidade, o que representa em torno de 17% do total de visitantes estrangeiros. O número aumenta a cada ano, e segundo representantes deste mercado cada vez mais importante para o turismo argentino, Buenos Aires atrai porque além de não discriminar, sobretudo, respeita as diferenças.
No geral, os bairros mais procurados pelos turistas que chegam à capital são Palermo, Recoleta, San Telmo e Puerto Madero. Mas o interessante deste processo de transformação e avanço da sociedade argentina é que hoje, segundo as mesmas fontes, a maioria dos hotéis, restaurantes, bares e cafés portenhos é gay friendly. Existem algumas opções de hospedagem mais badaladas, como os hotéis Faena, em Puerto Madero, e Legado Mítico, em Palermo. Só que atualmente é raro um lugar em Buenos Aires onde uma pessoa ou um casal do mesmo sexo não se sinta à vontade. Entre as atrações que se destacam estão algumas festas específicas da famosa e interminável noite portenha.
A capital argentina vem demonstrando uma atitude de vanguarda, que vai além da histórica lei de 2010. No fim de agosto, o bairro da Recoleta foi cenário de um incidente que deixou bem claro que em Buenos Aires não existe mais espaço para atitudes homofóbicas. Um casal de mulheres foi praticamente expulso do café La Biela, um dos mais tradicionais da Recoleta, a pedido de um cliente que ficou incomodado. Uma semana depois, ONG’s de defesa dos direitos LGBT organizaram um “beijaço” na porta do café, e poucos dias mais tarde o governo portenho ofereceu cursos de capacitação para os garçons do La Biela.
— A Argentina é o único país do mundo que promove o turismo gay quase como uma política de estado — sustenta o presidente da Câmara Argentina do Comércio Gay Lesbiana, Pablo De Luca, chamando atenção para a interação entre os diferentes atores envolvidos no sistema. — Há mais de oito anos trabalham juntos os setores público e privado.
Até 2010, afirma Pablo, o país tinha uma política amigável em relação à comunidade LGBT. Mas depois da lei, acrescenta, “esse perfil avançou de tal forma que levou a Argentina a uma explosão do turismo gay”.
Hotéis, bares, festas e festivais mais procurados
Há várias razões que explicam por que Buenos Aires se transformou na cidade preferida do turismo LGBT no continente, superando o Rio e balneários mexicanos como Cancún. A aprovação de leis de vanguarda foi essencial e somou-se a uma política de promoção do turismo para o segmento impulsionada tanto pelo setor público como pelo privado.
Há vários anos, os sucessivos governos portenhos vendem ao mundo a imagem de uma cidade “sem mandatos sociais, livre de preconceitos e absolutamente respeitosa da diversidade sexual”, explicou ao GLOBO o diretor executivo do Ente de Turismo portenho, Gonzalo Robredo.
— Somos, junto com a Tailândia, o destino preferido do segmento de mais alto consumo do turismo gay. Estamos liderando na América Latina porque oferecemos um leque de opções culturais, de gastronomia e hospedagem que atrai cada vez mais turistas — garante Robredo.
A instituição comandada por Robredo está elaborando um guia específico para o turismo LGBT, que será divulgado pela prefeitura no site turismo.buenosaires.gov.ar:
— Nós estamos gerando novos itinerários, além dos clássicos sobre tango, carnes, futebol etc… vamos muito além disso, pensando em design e moda, por exemplo.
Turismo LGBT cresce acima da média
Robredo lamenta o recente incidente no café La Biela, mas assegura que trata-se “de um caso isolado e absolutamente na contramão do clima que se vive em Buenos Aires”:
— Fazemos um trabalho permanente de conscientização dos portenhos e os resultados são evidentes. A lei de casamento gay ajudou muito, nos deu visibilidade mundial e nos permitiu mostrar uma cidade aberta, em todos os sentidos.
Os números do turismo no setor em Buenos Aires provam que está dando certo o trabalho conjunto entre governo e empresas privadas. Todos os anos, o turismo aumenta 3% na capital argentina. Já a chegada de visitantes LGBT cresce em torno de 9,6%.
Cerca de 70%, ficam apenas em Buenos Aires e o resto aproveita para conhecer outras regiões turísticas da Argentina como a Patagônia e as províncias de Salta e Mendoza. Mas a grande vedete continua sendo a capital do país e principalmente os bairros de Palermo, Recoleta, San Telmo e Puerto Madero. Neles estão os hotéis mais procurados, os bares, restaurantes e festas que fazem mais sucesso entre turistas LGBT.
A maior demanda de estrangeiros levou agências de longa trajetória no mercado argentino, como a Cynsa (criada há mais de 60 anos), a abrir um nova empresa dedicada exclusivamente ao turismo LGBT. Assim, nasceu a B-Leave, comandada por Alejandro Amestoy e Cecília Ursino:
— Nosso target é o turismo LGBT de luxo. Temos tantos hotéis para oferecer que é difícil escolher.
De fato, a lista é longa. Em Puerto Madero, o mais procurado é, sem dúvida, o Faena. É puro glamour o empreendimento emblemático do empresário Alan Faena, considerado uma espécie de alma mater do bairro — foi ele o visionário que apostou em Puerto Madero na década de 90 e transformou o lugar em símbolo da modernidade portenha. Os restaurantes do Faena decorados com unicórnios já viraram um must do turismo LGBT na cidade.
No charmoso bairro de Palermo, dois dos hotéis mais solicitados são Vitrum e Legado Mítico, ambos muito recomendáveis. O Legado Mítico homenageia figuras ilustres da cultura argentina, como a simpática Mafalda e o cantor de tangos Carlos Gardel. Já na Recoleta, talvez a região mais nobre da capital argentina, o Mio Buenos Aires é uma das melhores alternativas cinco estrelas.
Mapa de atrações vira guia digital
— Em Buenos Aires, ninguém se sente diferente. Não temos as praias do Rio, mas estamos em primeiro lugar na preferência LGBT, porque temos algo que outras cidades não têm: um ambiente absolutamente descontraído — acredita Alejandro, que se casou com seu companheiro há quatro anos e garante que “em nenhuma cidade nos sentimos tão bem como em Buenos Aires”. — Começamos a receber muitas famílias com duas mães ou dois pais e nossos principais hotéis estão preparados para essa clientela.
O clima descrito pelos operadores turísticos e autoridades argentinas é real e pode ser observado em qualquer restaurante ou bar da cidade. Mas existem algumas atividades específicas para o turismo LGBT, como festas e bares. Uma das mais populares é a Fiesta Dorothy, onde participam DJ’s locais e a dança só termina quando o dia está amanhecendo. Essa é uma das principais características da noite portenha, quase marca registrada.
— Em Palermo, o bar Peuteo foi pensado para clientes gays e vive cheio — conta Alejandro.
O presidente da Câmara de Comércio Gay Lésbica Argentina, Pablo De Luca, criou ao lado de seu parceiro, Gustavo Nogueira, o gmag360.com, um dos mais completos sites em informações sobre turismo LGBT na Argentina e na América Latina. Lá são encontradas as últimas novidades sobre passeios, hotéis, restaurantes e baladas portenhas.
— Nós começamos fazendo um mapa e hoje temos um guia digital. Diferentemente de outras cidades, Buenos Aires não tem guetos gays e isso é um dos aspectos que as pessoas mais valorizam. Aqui não existem preconceitos — assegura Gustavo.
Gustavo e Pablo viajam por todo o continente dando palestras, assessorando outras câmaras de turismo e até mesmo governos estrangeiros que querem seguir os passos da capital argentina e tornar-se um destino atraente para o turismo LGBT. Os portenhos fizeram escola e agora estão dando aulas pela América Latina.
— Estivemos até com a vice-presidente da Costa Rica, que nos pediu ajuda para aprovar iniciativas de vanguarda em seu país — revela Pablo.
Para Gustavo, um segredo do sucesso, “é que a Argentina é o único país do mundo que promove o turismo gay quase como política de estado”:
— Temos leis que nos reconhecem como iguais na saúde, nos processos de adoção de crianças etc… Aqui vemos uma predisposição e uma abertura social que não se vê em outros países. Com a lei, muitas empresas nos procuraram para saber como podiam trabalhar este mercado.
No próximo verão, o cruzeiro Atlantis voltará ao litoral latino-americano, com paradas no Rio e Buenos Aires. Mais um sinal de que o turismo para o segmento está vivendo um momento de glória na região, sobretudo às margens do Rio da Prata.
— O cruzeiro passou oito anos sem vir, e em 2017 irá ao Rio no carnaval e terminará na capital argentina — acrescenta Pablo.
Em novembro, três eventos específicos
O presidente da Câmara lamenta que em outros países latino-americanos ainda exista discriminação. A câmara realiza permanentemente cursos de capacitação em hotéis, restaurantes e até mesmo nos aeroportos mais importantes do país.
Além dos passeios tradicionais de Buenos Aires, a cidade vem se destacando na organização de eventos como o Festival Diversa, realizado em junho passado, que incluiu exposições de fotografia, arte, shows de tango e espetáculos de drag queens.
Durante o festival, o governo portenho instalou sinais para pedestres com duas figuras do mesmo sexo, em algumas das avenidas mais importantes da cidade. Um deles, na Avenida de Maio, na altura da famosa Calle Florida, vai continuar funcionando até o fim do ano.
A agenda cultural pensada especialmente para o turismo LGBT terá, ainda este ano, o Festival Internacional de Cinema Asterismo (que acontecerá de 1 a 6 de novembro), o Festival Internacional de Tango Queer (de 14 a 20 de novembro) e também no mesmo mês, encerrando o ano, a Marcha do Orgulho.
— Somos o único país que, há sete anos, participa de todas as feiras e convenções de turismo gay do mundo. Somos líderes por nossa gastronomia, cultura e arquitetura, além da motivação social que te dá um país, com leis, o respeito a todos por igual — conclui Pablo, com orgulho.
Casamentos realizados em menos de uma semana
No Brasil, a união estável para casais do mesmo sexo foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011. E uma decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2013 determina que os cartórios têm obrigação de realizar a cerimônia e registrar a conversão da união estável homoafetiva em casamento. Na Argentina, com a aprovação da lei de casamento gay, surgiu um novo mercado que vem crescendo de forma expressiva nos últimos anos. Desde 2010, Buenos Aires tornou-se um destino de “vacation wedding” cada vez mais badalado.
Uma das primeiras a explorar este nicho comercial foi a francesa Laetitia Orsetti, que mora há dez anos no país e há seis criou a agência Fabulous Weddings. Atualmente, ela organiza, em média, dois casamentos gays por mês na capital argentina.
— Nós nos encarregados de tudo. O casal pode chegar num domingo e casar na sexta-feira seguinte. Em menos de uma semana fazemos os trâmites, incluídos exames médicos — diz Laetitia.
Depois do evento, a viagem
Laetitia já casou ingleses, americanos, canadenses, latino-americanos e até russos. Um dos últimos eventos que realizou foi o casamento de uma russa e uma canadense, que vieram à Argentina para cumprir um sonho impossível em países conservadores como a Rússia:
— A lei exige que os estrangeiros consigam uma data nos cartórios num prazo máximo de cinco dias, isso facilita muito as coisas. Basta ter um contrato de permanência temporária, algo conseguido facilmente nos hotéis.
As festas variam, dependendo do casal. Alguns gostam de comemorar sozinhos e dedicar mais tempo e dinheiro para viajar pelo país. Nesse caso, os locais mais procurados são Iguazú, Calafate, Mendoza, Salta e, nas redondezas de Buenos Aires, hotéis como o Villa Maria.
Os casais devem ir a hospitais públicos da cidade para fazer os exames solicitados pelos cartórios.
— Eu os acompanho a todos os lugares e sempre nos sentimos muito à vontade. As pessoas ficam encantadas quando sabem que é um casal estrangeiro, a sociedade argentina é muito aberta — assegura a wedding planner.
O serviço oferecido pela Fabulous Weddings tem um custo considerado razoável. Um casamento simples — que inclui toda a documentação, cerimônia no cartório, fotos e assessoramento legal — fica em torno de US$ 3 mil. A partir desse piso, a Fab organiza festas em hotéis e salões de Buenos Aires. A agência atende a todos os pedidos, de aulas de tango a assistente de compras.
— A cada dia temos mais consultas. Acho que Buenos Aires atrai porque é vista como lugar seguro e onde as pessoas podem viver seu casamento num ambiente de total respeito — diz Laetitia.
Serviço
ONDE FICAR
Faena. O hotel tem diárias a partir de US$ 409. Está localizado na Rua Martha Salotti 445, Puerto Madero. faena.com/buenos-aires/es
Legado Mítico. Diárias a partir de US$ 250. Rua Gurruchaga 1.848, Palermo. Mais informações no site legadomitico.com
Mio Buenos Aires. A partir de US$ 255,20. Rua Quintana 465, Palermo. miobuenosaires.com
Vitrum. A partir de US$ 112. Rua Gorriti 5.641, Palermo. vitrumhotel.com
Palacio Duhau. A partir de US$ 550. Avenida Alvear 1.661, Recoleta. buenosaires.park.hyatt.com/en/hotel/home.html
Poetry Building Apart Hotel. A partir de US$ 290. Rua Junin 1.280, Recoleta. Outras informações no site poetrybuilding.com
ONDE COMER
Don Julio. Especializado em carnes. parrilladonjulio.com.ar
Páru. Japonês e peruano. paru.com.ar
La Mar. Japonês e peruano. lamarcebicheria.com.ar
La Locanda. Italiano. Telefone: (54) 4806-6343.
Roux. Bistrô bem portenho. rouxresto.com
La Pescadorita. Peixes. lapescadorita.com
BARES, FESTAS E OUTROS
Bar Peuteo. Rua Gurruchaga 1.867, Palermo. peuteo.com
Festa Dorothy. fiestadorothy.com
Fabulous Weddings. fab-weddings.com
Guia virtual para o turismo LGBT. gmag360.com
Turismo de Buenos Aires. turismo.buenosaires.gov.ar
Fonte: O Globo
Deixe um comentário