Berlin, de Jason Lutes, é uma das HQs mais ambiciosas da literatura gráfica contemporânea. Com mais de 20 anos de produção, essa obra monumental transporta o leitor para a República de Weimar, na Berlim dos anos 1920 e 1930. É um romance histórico desenhado com uma precisão assombrosa, onde cada quadro parece carregado com o peso das mudanças que moldaram o século XX. Mas, para além do grande contexto político, Berlin é uma exploração profundamente humana das histórias individuais enterradas sob o peso das ideologias.
A narrativa acompanha várias personagens em uma Berlim fervilhante e à beira do colapso. Entre elas, destaca-se Marthe Müller, uma jovem artista que se muda para a cidade, e Kurt Severing, um jornalista desencantado. Lutes faz dessas figuras ordinárias um reflexo das tensões que atravessam a sociedade da época: ascensão do nazismo, o colapso da economia, as lutas de classe e as profundas mudanças culturais que redefinem o papel das mulheres na sociedade. A obra equilibra com maestria o macro e o micro – os acontecimentos históricos grandiosos coexistem com as dores, dúvidas e desejos íntimos de seus personagens.
O traço em preto e branco é limpo e deliberado, com um nível de detalhe que captura a alma da cidade em transformação. Cada cena, seja em uma praça tumultuada ou em um quarto silencioso, parece viva, repleta de camadas. O ritmo da narrativa é paciente, permitindo que os momentos mais tranquilos tenham tanto impacto quanto os grandes eventos. No entanto, essa paciência pode ser um obstáculo para leitoras que preferem histórias com mais ação imediata.
Embora Berlin seja uma obra impressionante, sua narrativa, centrada em grande parte nas experiências de homens e mulheres brancas de classe média, poderia se beneficiar de uma maior diversidade de perspectivas. Ainda assim, a HQ captura com uma clareza dolorosa a fragilidade da democracia e a facilidade com que ódios sistêmicos podem se enraizar – temas que permanecem terrivelmente relevantes.