A. R. 35 anos – BH
“Eu andava pela rua, era um dia comum, estava de calça jeans, um casaco de moletom e tenis, estava procurando pela minha ex parceira. Eu havia terminado um relacionamento de um ano e dois meses e precisava pegar com ela os meus documentos de volta. Andava a esmo na esperança de encontrar com ela pela rua, em dado momento um carro parou próximo a mim e o homem que dirigia se apresentou como amigo da minha ex companheira e disse que ela estava na casa dele me esperando para me devolver os documentos. Ele insistiu para que eu fosse com ele, mas declinei e continuei a andar. Continuei andando por mais um tempo quando o carro voltou novamente, mas dessa vez ela estava no carona, pediu para que eu fosse com ela pegar os documentos e acabei entrando no carro, pois precisava dos documentos de volta.
Fomos até a casa de amigo dela, era uma casa grande e quando entrei notei vestígios de bebidas e drogas que eu não aceitei quando me foram oferecidos, mas notei que eles estavam alterados já. A certa altura ele pediu para que eu e minha ex nos beijássemos e eu neguei, me senti desrespeitada, mas me mantive firme. Os dois começaram a beber e usaram drogas, minha ex acabou apagando no sofá, mas quando fui me aproximar dela para ver como ela estava senti sua mão me pegando pelo braço. Sua voz chegou aos meus ouvidos dizendo que iria brincar comigo e que não adiantaria eu gritar ou tentar sair. O aperto da sua mão se transformou em empurrões que me direcionaram para um quarto onde havia uma cama e muita bagunça. Seu primeiro tapa me deixou desnorteada, e entre mais empurrões e palavras obscenas veio a primeira tentativa de arrancar minha roupas. Resisti, tentei sair, mas a porta estava trancada. Minha rebeldia foi recompensada com chutes e socos e para que eu não tentasse novamente tive minhas mãos amarradas. Então, quando ele teve certeza de que não havia possibilidade de que eu saísse dali, senti seu toque nojento na minha pele. Com força brutal ele rasgou minhas roupas e me despiu de toda e qualquer dignidade a qual eu me agarrava. Quando ele invadiu meu corpo tampou minha boca com uma das mãos para abafar meus gritos. Aquela eternidade durou cerca de uma hora. Ali naquele quarto ele deixou meu corpo machucado e cansado com a promessa de que mais tarde voltaria para continuar, mas ali, ele também deixou minha alma despedaçada.
Quando saiu ouvi o barulho da porta sendo trancada. Quando ele voltou ele estava muito mais violento e havia trazido um amigo. Durante dois dias ele esteve quatro vezes nesse quarto destroçando e acabando com tudo o que havia de mais precioso em mim. Em algum momento no meio disso tudo eu ouvi a voz da minha ex através da porta perguntando de mim, ao que lhe foi respondido que eu já havia ido embora e mesmo com meus gritos abafados pela mordaça, que até hoje não sei se foram ouvidos, ela se foi.
Rezei, e rezei muito a Nossa Senhora e pedi que ela não me abandonasse e me ajudasse a sair das mãos daquele monstro. Quando ele voltou me pareceu mais calmo e me arrisquei. Prometi não gritar e nem fujir se ele me desamarrasse. Também pedi comida, pois estava com fome e sede. Quando ele trouxe a comida me desamarrou. Assim que fiquei sozinha revirei o quarto em busca de algo que pudesse me tirar dali ou pelo menos que servisse de arma contra ele. Achei um pedaço de madeira, embaixo da cama e aquilo teria que servir. Chamei ele e usei toda a frieza que achei dentro de mim para dizer a ele que ele não precisava mais forçar nada comigo, pois eu sentia prazer com ele e que eu queria ficar com ele. Isso deixou ele com a guarda baixa e na primeira oportunidade que tive acertei ele na cabeça e para meu alívio ele caiu no chão. Eu corri, sem rumo, sem certeza de nada mais na vida. Eu simplesmente corri.
Por conta das drogas, fazia um tempo que eu não tinha mais um endereço fixo e por isso acabei parando na cobertura de uma padaria onde dormi. Algumas pessoas me deram comida e roupas. Esse foi o meu fundo do poço, dali não havia como descer mais. Depois de três dias minha menstruação veio e isso me deu um certo alívio.
Alguns dias depois apareceu uma amiga da minha mãe, que gentilmente me levou para a casa dela, onde pude comer e finalmente tomar um banho. Lavava meu corpo surrado, machucado, marcado. Minhas lagrimas lavaram minha alma. Eu estava viva. E em mim houve um misto de gratidão por ainda estar viva e em contra partida nojo e vergonha. Fui dormir. Minha familia chegou as 02:45 da manhã e esperaram até que eu acordasse para falarem comigo. Quando acordei lá estavam minha irmã, minha sobrinha com o marido e meu sobrinho neto de sete anos na época para me buscar. Nada além do essencial foi dito, somente que a minha familia estava me esperando voltar pra casa.
Encontrei minha mãe envelhecida e deprimida por conta do meu sumiço. Voltei para a o acalento do lar materno para me recompor. Passado algum tempo notei que minha menstruação havia parado e fui procurar um médico. Minha suspeita se confirmou, eu estava grávida de 18 semanas. Senti raiva, nojo, medo, vontade de sumir do mundo. Procurei um meio de fazer um aborto e quando finalmente consegui eu já havia atingido a 21ª semana de gravidez o que faz com que já não seja mais um feto e o aborto não é mais aconselhável. Resolvi dar a criança assim que nascesse e encontrei um casal que aceitou adotar.
O tempo passou e a cada vez que via minha barriga mexer, conforme meu corpo foi se modificando para abrigar aquele bebê eu fui aceitando essa nova realidade. Tive uma conversa franca com meus pais sobre tudo o que aconteceu e isso me deixou um pouco mais tranqüila. As vezes, no quarto sozinha, eu tocava a minha barriga e sentia ela pular. E dia a dia fui aceitando. Depois de tanta dor, eu pude olhar em seus olhos pela primeira vez e quando ela me olhou de volta a primeira coisa que falei foi: – O que veio fazer na minha vida, pequena? Com a primeira mamada nossa união foi selada. Todo o amor que ela coloca em mim a cada vez que me olha me enche o coração de esperança. Minha Helena, ela é luz e minha grande guerreira troiana. Peço perdão todos os dias por ter rejeitado ela no começo e a amo além da conta para compensar esse começo conturbado que tivemos.”
Superação, força e muito amor. Quantas Alexandras são dizimadas a cada dia? Quantas mulheres tiram forças de onde já não tem mais nada para se salvarem sozinhas? Quantos bebês são gerados sem a mesma sorte da nossa Helena? Se uma de nós pode lutar tanto, o quanto não podemos fazer juntas? Se renunciarmos ao silêncio e unirmos nossas vozes, até onde podemos nos fazer ouvir?
Se questione. Se supere. Se ame.
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