Um clube do Livro pra chamar de nosso

Em uma cultura literária que por séculos privilegiou homens, brancos, cis, heterossexuais e de classe alta, criar um clube de leitura lésbico significa abrir espaço para vozes frequentemente marginalizadas. Trata-se de colocar nossas experiências de mulheres que amam mulheres, muitas vezes negras, periféricas, indígenas ou marcadas por diferentes atravessamentos sociais, no centro da roda. É afirmar que nossas narrativas importam, e que podem — e devem — ser lidas, debatidas, celebradas. Um exemplo dessa iniciativa é o Clube Sáfico, que se dedica exclusivamente à literatura produzida por e sobre mulheres que se relacionam com outras mulheres, buscando visibilidade e reconhecimento para autoras sáficas brasileiras e internacionais.

Entendendo o Clube Sáfico: quem são, o que fazem e por que existem
O Clube Sáfico não é um simples clube de leitura; é um projeto que se sustenta através de apoio coletivo, conforme detalhado em sua página no Apoia.se (https://apoia.se/clubesafico). Trata-se de um clube literário independente, voltado à difusão da literatura sáfica: romances, contos, poesias e demais gêneros escritos por autoras lésbicas, bissexuais ou queer que tragam a vivência entre mulheres que amam mulheres para o centro de suas narrativas. É um lugar de pertencimento e fortalecimento cultural, onde a literatura deixa de ser um domínio restrito para tornar-se território de troca, acolhimento e crítica social.

O Clube Sáfico existe, sobretudo, para dar visibilidade e apoiar a produção literária que foge ao cânone excludente. Suas organizadoras — cujos nomes e rostos, diferentemente do que se vê em muitos clubes tradicionais, não são o principal foco, já que o protagonismo é da própria comunidade e das autoras apresentadas — trabalham na curadoria de títulos, sugerindo leituras de autoras nacionais e internacionais, contemporâneas e clássicas, com a intenção de criar um acervo afetivo e político. O objetivo é apresentar a diversidade das experiências sáficas, abordando não apenas o amor romântico entre mulheres, mas também questões interseccionais que envolvem raça, classe, identidade de gênero, regionalismo e outros marcadores sociais.

Em entrevista ao próprio site de apoio coletivo, as organizadoras do Clube Sáfico destacam a importância de construir esse espaço: não apenas para consumir literatura, mas para formar leitoras críticas, politizadas, que entendam a importância de apoiar autoras independentes e editoras menores, fortalecendo todo um ecossistema literário. O clube cria um ambiente seguro para debate, longe do olhar julgador e muitas vezes hostil com que a sociedade encara a homossexualidade feminina. Ali, o que importa é a força das palavras, as conexões entre as histórias e as leituras compartilhadas.

Por que criar seu próprio clube de leitura lésbico?
A inspiração do Clube Sáfico pode ser um passo inicial. Por que não formar o seu próprio grupo de leitoras em torno da literatura lésbica? A ideia não é copiar o que já existe, mas aprender com a experiência e incorporar o que fizer sentido para sua realidade. Talvez você esteja em uma cidade pequena, sem livrarias acolhedoras ou espaços culturais diversos. Talvez você more em uma metrópole, mas queira criar um grupo presencial mais íntimo e regular. Ou quem sabe você prefira encontros virtuais, conectando mulheres de diferentes regiões, classes sociais e contextos culturais.

Criar um clube de leitura lésbico significa sair do isolamento. Infelizmente, muitas de nós não crescemos vendo nossas vivências representadas nos livros. Livros escolares, clássicos da literatura, best-sellers internacionais — tantos deles centrados em homens brancos, héteros, cisgênero. Ao criar um clube que valorize autoras sáficas, estamos dizendo: “Nós existimos, nós escrevemos, nós lemos, nós debatemos.” É um gesto simbólico e político, que fortalece a construção de identidades e imaginários culturais mais diversos.

Como começar: um guia prático

  1. Defina o foco e o propósito:
    Assim como o Clube Sáfico, que escolhe dar visibilidade à literatura feita por e sobre mulheres que amam mulheres, você precisa saber que tipo de literaturas quer destacar. Só autoras brasileiras? Apenas ficção contemporânea? Que tal ampliar para escritoras negras, indígenas, latino-americanas? Talvez focar no gênero romance ou poesia. Ao definir o propósito, você atrai leitoras que se identificam com essas narrativas e direções curatoriais.
  2. Forme uma rede de apoio e divulgação:
    Utilize as redes sociais para divulgar seu clube. Crie um perfil no Instagram ou no Twitter, onde você possa anunciar o livro do mês, as datas dos encontros (presenciais ou virtuais) e compartilhar trechos, capas e sinopses. Parcerias com outros coletivos feministas, LGBTQIA+, quilombolas, indígenas ou literários podem ampliar o alcance do clube. Vale também conversar com livrarias independentes ou bibliotecas comunitárias.
  3. Escolha um formato de encontro que faça sentido:
    O Clube Sáfico, por exemplo, utiliza plataformas de apoio coletivo e redes sociais para manter a comunidade informada e engajada. Você pode realizar encontros mensais presenciais em um café acolhedor, oferecer leituras guiadas no WhatsApp, criar um grupo no Telegram para discussões ao longo do mês, ou mesmo encontrar-se em chamadas de vídeo no Zoom. Pense no que funciona para você e para as demais participantes, levando em conta horários, acessibilidade e recursos disponíveis.
  4. Curadoria literária atenta e comprometida:
    Fazer a curadoria das obras é talvez a parte mais importante. Pesquise editoras independentes que publicam autoras lésbicas, bissexuais, trans e queer. Busque nomes já consolidados, como Audre Lorde (EUA) ou Monique Wittig (França), e autoras brasileiras contemporâneas, publicadas por pequenas editoras e coletivos literários. Visite blogs, podcasts e publicações online que divulguem literatura LGBTQIA+, como a própria página do Clube Sáfico no Apoia.se, que pode inspirar e dar referências. Vale consultar iniciativas como o Leia Mulheres (https://www.leiamulheres.com.br/) para descobrir novas autoras, além de editoras como a Malê, a Pólen e a Baderna, que costumam publicar vozes diversas.
  5. Debates críticos e abertos:
    Ler é só parte da experiência. É no debate que o clube se torna um espaço vivo, onde cada participante traz sua própria bagagem, sua perspectiva de raça, classe e gênero. Questione a construção de personagens, a forma como a sexualidade e o afeto são representados, os paralelos com a realidade social. Esse diálogo é o que transforma um simples grupo de leitura em uma comunidade consciente e solidária.
  6. Crescimento e sustentabilidade do clube:
    Assim como o Clube Sáfico se apoia no financiamento coletivo para se manter, você pode pensar em formas de tornar o seu clube sustentável. Talvez um fundo coletivo para a compra de livros, ou um pequeno valor de contribuição para apoiar autoras independentes. O importante é fazer com que o clube não fique refém do mercado editorial hegemônico e possa alimentar-se de vozes que não costumam chegar às grandes livrarias.