Carmen Maria Machado nos oferece, em O Corpo Dela e Outras Farras, uma coletânea de contos que desafia categorizações fáceis, mas que encontra seu eixo em narrativas femininas, muitas vezes impregnadas de tensão psicológica e corporal. O livro entrelaça horror, ficção científica e realismo mágico para dar voz a histórias que dialogam diretamente com a experiência feminina moderna. Desde o conto inaugural, “O Reconhecimento das Padrões”, em que a protagonista começa a conectar relacionamentos passados com estranhas ocorrências em um vestido, até a narrativa devastadora e metalinguística de “Especialmente Hediondo”, Machado provoca o leitor a confrontar as forças que moldam a vida das mulheres – o desejo, a violência, a memória e a agência sobre seus próprios corpos.
A prosa é visceral e visual, quase cinematográfica, mas profundamente literária. O foco de Machado nos detalhes físicos – ora grotescos, ora líricos – é tão inquietante quanto magnetizante. Apesar da densidade temática, a autora transita com fluidez entre ritmos, dando respiros mesmo nos momentos mais angustiantes. A tensão queer permeia todas as páginas, não apenas por contar histórias que fogem da normatividade heterossexual, mas por expor a estranheza inerente de habitar um corpo feminino em um mundo que constantemente tenta domesticá-lo.
Ainda que inovador, o livro às vezes pende ao experimentalismo excessivo, o que pode alienar algumas leitoras. Além disso, a repetição de certas imagens pode soar redundante. Contudo, a força narrativa de Machado e sua habilidade em desconstruir as estruturas patriarcais com originalidade fazem deste um livro essencial para mulheres que buscam ver suas experiências espelhadas na literatura.