Artigo de Allison P. Davis para o The Cult. Tradução Lu Paes
A cafeteria LAMILL, de Silver Lake, estava cheia para um final de tarde, alguns dias depois do Natal. As mesas pretas estão cheias de copos brancos e pratos e laptops abertos no Final Draft ou outro programa de escrever roteiro. As cadeiras de couro turquesa estão preenchidas por pessoas atraentes que parecem estar em uma fila de casting: homem ou mulher, nos seus 20 para 30 anos, qualquer cor (mas majoritariamente brancas).
É a cena perfeita para a atriz e roteirista Lena Waithe entrar, usando uma camiseta vintage, calças de moletom justas da Nike e respectivos tênis aprovados pelos sneakerheads. Ela combina não apenas por ser uma roteirista em calças da moda em uma cafeteria durante horário comercial, ou porque poderia facilmente ser um episódio de Master of None – show da Netflix que ela aparece como Denise, uma lésbica negra que dá conselho para o personagem Dev, de Aziz Anzari. Ela combina porque, depois de escrever um episódio ganhador de Emmy na segunda temporada do programa, Waithe é a pessoa que você gostaria que imaginasse a vida interna de cada barista de bigode e dono de loja vintage que está nesse lugar. Ela pegaria esses personagens secundários e daria a eles nuance e vida e humor. Ela provavelmente ganharia uma série e outro Emmy.
Depois de pegar outra limonada de lavanda, Waithe se junta a mim na mesa e olha ao redor por um momento.
“Ok, quantas histórias você pode escrever sobre as pessoas nesse ambiente?” eu pergunto.
“Ah, um milhão” ela diz. “Eu sempre fui mais interessada em explorar as vidas das pessoas que vejo na rua. Sabe?”
Beleza, me escreva um show – eu sugiro, esperando que ela crie alguma história sobre uma mulher de nariz delicado e cabelo ruivo em bobs gigantes.
Waithe não segue com o pedido. Agora, ela me diz, a cabeça dela está cheia com seus próprios personagens. Na verdade, ela explica – Waithe fala rápido, e falar comigo significa que ela está fazendo uma pausa do seu dia de escrita, enquanto olha seu relógio para dar ênfase. E de qualquer forma, a história da Silver Lake branca e hipster não é uma que ela quer contar.
“No final do dia, eu me importo com o meu povo. Tipo, é com isso que me importo. Eu tenho um interesse especial em homens negros, mulheres negras, a comunidade pobre – eu me importo com a gente e com mostrar o que somos, pelas minhas lentes. Como posso mostrar um retrato bem-feito do que é a vida de uma pessoa negra? Eu conheço meu povo e quero escrever por eles, e para eles”.
A faceta da vida de uma pessoa negra que Waithe escolheu focar em The Chi, a série que criou para o canal Showtime, a leva para suas raízes: o lado sul de Chicago. Mesmo assim, o bairro representado no programa não reflete a comunidade que se lembra. “Eu cresci em um bairro tranquilo”, ela diz da “utopia” predominantemente negra em que ela foi criada pela sua mãe solteira, Laverne Hall, junto com um grupo de amigos da sua mãe e shows de TV. “Não foi perfeito”, Waithe diz do seu bairro, mas não era o lado sul mostrado em The Chi.
No lugar disso, a ideia para o drama longo veio das manchetes que Waithe via sobre a violência escalante no lado sul. No ano que ela escreveu o primeiro episódio, em 2015, ocorreram 468 assassinatos e 2900 tiroteios em Chicago, a sua maioria concentrada nos bairros do sul e do oeste da cidade.
The Chi foca primariamente em quatro protagonistas conectados pelo resultado de dois tiroteios. Há o Brandon (Jason Mitchell), um chef esperançoso que usa seu talento para escapar do bairro, mas se sente responsável pela mãe e irmão mais novo, Coogie (Jahking Guillory); Emmett (Jacob Lattimore), um adolescente obcecado por tênis com um filho; Ronnie (Ntare Guma Mbaho Mwine), que está tentando se vingar da morte de seu filho; e o pré-adolescente Kevin (Alex R. Hibbert), que navega por crushes de escola, ensaios do teatro e o fato de ser testemunha de um assassinato.
A estrutura e tema – como a violência e gangues ameaçam o cotidiano – deram ao programa comparações com The Wire e Shots Fired, que Waithe entende, mas discorda. Ela cita o trabalho de David Simon, The Corner, como uma inspiração, além de Downton Abbey e James Baldwin. “Eu não estou escrevendo sobre os policiais. Não estou escrevendo sobre o sistema. Eu não me importo a mínima com tentar escrever sobre o sistema. Mas posso escrever sobre como os policiais fizeram eu me sentir”.
Fãs podem se surpreender que o show não é autobiográfico – apesar de alguns elementos serem totalmente Waithe. Um personagem tem o nome de sua mãe; o outro, Ronnie, tem o nome de um tio que faleceu. O personagem de Emmett é baseado em um amigo de escola. Era um ponto não-negociável para Waithe, uma lésbica, incluir ao menos uma outra personagem queer negra. E Waithe de fato se vê em um personagem: “Eu sou o Brandon, 100%. Eu o escrevi como um chef porque seria muito meta escrevê-lo como roteirista”. A namorada de Brandon, Jerrika, foi baseada na noiva de Waithe à época, Alana Mayo. Ela também nota que o chef sensível batalhando com responsabilidades familiares foi o personagem que os executivos mais tiveram dificuldade de entender.
Waithe começou a apresentar o roteiro de The Chi em um clima totalmente diferente. “Isso foi antes de Issa [Rae], isso foi antes de Barry [Jenkins], antes de Moonlight ganhar um Oscar, antes de Jordan Peele”. Vale lembrar, também foi antes da aparição de seu personagem em Master of None, a Denise. Na verdade, Denise era para ser branca e hétero, um possível interesse amoroso para Dev.
Encontrando com executivos de televisão sobre The Chi, eles a perguntavam “Qual o gancho”? “Eles vendem drogas? Eles cantam? Eles… Eles são atletas?”. “Era isso que deixava todo mundo confortável, essas categorias: o traficante, o dono da boca, o cantor, dançarino. Eles perguntavam ‘Ah, ele vai entrar no time de basquete? Ele vai assinar com a gravadora?’ e é tão clichê. Eu ficava tipo ‘é sobre ser negro e humano em uma cidade muito complexa, só isso’. Eu escrevo pessoas negras conversando em um cômodo”.
Waithe admite que as coisas mudaram. Há mais oportunidades para ela e outros escreverem pessoas negras conversando. Barry Jenkins escreveu Moonlight, Issa Rae escreveu e estrelou Insecure, Donald Glover ganhou um Emmy por Atlanta, programa que ele criou. Há Greenleaf e Queen Sugar. Ava DuVernay (que uma vez empregou Waithe como assistente de produção) dirigiu Uma Dobra no Tempo e Ryan Coogler dirigiu Panteras Negras, dois blockbusters. Televisão e cinema estão mais negros que jamais estiveram.
“Olha, isso vai ser polêmico”, ela diz, sua mão batendo na mesa para dar ênfase a cada palavra, “mas a verdade é que nós criamos cultura. Nós criamos a porra da cultura, sim. Mas eu acho que pessoas negras estão criando conteúdo que não apenas pessoas negras querem ver, mas também todo mundo. Os executivos brancos agora ficam ‘Ok, precisamos achar nossa Issa Rae, precisamos achar nosso Donald Glover, precisamos achar nossa Lena Waithe’”. Ela relaxa e toma sua limonada.
Aos 33, Waithe se tornou a primeira mulher negra a ganhar um Emmy por roteiro em série de comédia. O episódio que ela escreveu para a segunda temporada de Master of None, “Thanksgiving”, é ambicioso e altamente pessoal, mas simples. É sua própria história de como saiu do armário para a família. “Aziz pediu para eu contar histórias da minha vida, e ele gostou dessa e me pediu para escrever um episódio”. A princípio, ela negou.
Ela se sentia compromissada com The Chi e estava em Londres filmando Ready Player One, de Steven Spielberg. “Ele disse ‘eu posso escrever minhas coisas, mas o que você me falou eu não posso escrever. Só você pode’”. Ela cedeu e Ansari voou para Londres – os dois se juntaram em um quarto de hotel e escreveram o episódio em três dias.
“Eu não esperava que isso fosse acontecer tão cedo em minha carreira”, Waithe diz de seu Emmy. “Mas, para mim, foi tipo ‘vou contar minha história’. Eu me senti como o Michael Jordan no seu último jogo. Como se toda minha vida estivesse me preparando para esse momento.”
Em entrevistas depois de ganhar, Waithe indicou que sim, oportunidades para a televisão estavam melhorando, mas não, o trabalho não terminou. No discurso em uma festa para a United Talent Agency no começo de dezembro, Waithe disse “faça questão que você esteja fazendo seus próprios shows, porque eu não acho que a televisão representa essa sociedade”.
Para a primeira temporada de The Chi, sua sala de roteiro era feita inteiramente de roteiristas negros – um time que ela está agora mentorando para ajudá-los a cultivar seus próprios projetos. “Era eu e outros quatro roteiristas negros”. Ela lista seus nomes e feitos. “Nosso showrunner estava realmente comprometido em ter apenas roteiristas negros”.
Eu pergunto para Waithe se foi complicado ter um showrunner homem branco, Elwood Reid, direcionando um show escrito por uma mulher negra e um time de roteiristas negros, super específico sobre a vida e cultura de pessoas negras.
Ela estremece. “Assim, eu acho que… É complicado? Sabe, talvez, mas a verdade é que foi assim porque também… Não tinham muitas opções”, ela diz com cautela. E, depois, com mais força “Eu acho que o showrunner é exatamente isso. Tipo, eles garantem que o trem chegue na hora. Criativamente, não teve influência. Para mim, foi muito sobre ouvir as vozes dos roteiristas negros e garantir que eles fossem ouvidos. E essa foi a missão de todo mundo, para garantir que não fosse um programa sobre pessoas negras escrito por quem não entende a cultura negra”.
Waithe olha para seu relógio, precisando terminar o assunto. Ela tem um filme para escrever – um romance que vai potencialmente ser dirigido por Melina Matsoukas (que dirigiu “Thanksgiving”, episódios de Insecure e o clipe de “Formation” da Beyoncé). Depois, Waithe precisa fazer sua comédia Twenties, com episódios leves de meia hora baseados em sua vida de 20 e poucos anos em Los Angeles. Se tudo der certo, haverá mais temporadas de The Chi para pensar também. “Eu quero fazê-la mais negra” ela diz, pegando suas chaves para sair. “Essa é a missão. Eu só quero fazer Hollywood mais negra”.
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