Eu vi uma cachoeira brotar

do meio das suas pernas.

A água jorrava e corria pelos afluentes,

desembocando lá na ponta dos seus pés.

Sedenta,

Sempre me falavam que eu tenho uma língua

enorme.

Agora tinha serventia.

Comecei a conter aquela água que corria rápido.

Ela molhou a ponta dos seus dedos.

Eu chupei toda a água dos seus pés.

Mordia, mordia devagar a sua pele

pra extrair toda a água que escorria ali.

Abocanhei o calcanhar, lambi os dedos, o peito do

pé direito e o outro também.

Logo, fui alcançando a sua panturrilha.

Uma a uma, fiz um contorno nessas montanhas,

sugando todo fluido entranhado nelas.

E a água caía, a água caía…

A água das suas turbulentas coxas.

Sua perna era terra que tremia,

e sua água desviava da minha boca.

Quanto mais eu forçava a língua,

mordiscava, beijava com força,

descia mais líquido pra matar a minha sede.

Águas térmicas…

Mais chegava perto da fonte

Esquentava.

Era lava?

Alcancei a fenda sagrada

E pude beber muita água ali.

A língua se divertiu.

Boiava no rio de borda a borda.

Tamanha abundância

Que botei as mãos para ajudar.

Passava os dedos em seu leito,

na parte de fora e na parte de dentro.

Era gole atrás de gole

não cessava.

Correnteza cada vez mais encorpada

Rápido minha língua foi até ela

E a boca toda.

A nascente que ficava no alto desse morro

Esguichava magma

Transbordava vida.

Eu bebia, eu lambia,

Engolia…

Até que esse vulcão explodiu,

A enxurrada matou minha sede de vez,

molhou minha cara toda.

Aquietou o terremoto.

Respirei aliviada

Feliz da sede matada.

Olhei para você,

estava nadando.

Que gostoso!

Perguntei:

Posso nadar nesse rio de novo?

 

 

(para ouvir, só dar o play no áudio no topo do texto)

Texto: LUCIANA LUZ  do livro O Livro negro dos sentidos.  

Narração: Maria Rita Casagrande

 

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