Editora de gênero do ‘The New York Times’ lança no Brasil o livro ‘Clube da luta feminista’. Saiba por que todos deveriam lê-lo
Você começa o dia irritada porque tem uma reunião importante e passou a noite ansiosa com isso. Dormiu mal, acordou pior. Logo cedo, ao ver seu estado de nervos, seu companheiro pergunta se você está menstruada ou de TPM. Na chegada ao trabalho, seu chefe festeja a sua chegada, porque o café acabou e “seu café, afinal, é ótimo, você poderia fazer pra gente?”. Na esperada reunião, você senta na ponta da mesa, tenta falar, e é interrompida por diversas vezes, até desistir. E aquela sua boa ideia acaba sendo apresentada por um colega, que colherá os frutos por ela. Na sua cabeça, você já mapeia os melhores lugares onde vai chorar o fim deste dia voltando para casa. A linha de ônibus Lapa-Socorro sempre foi convidativa. Antes de dormir, você se auto sabota e diz a si mesma que talvez a ideia fosse mesmo do colega e ele fez bem em apresentá-la.
Essas são algumas das situações em que muitas mulheres se encontram corriqueiramente na vida profissional e afetiva. Desafios que, segundo o recém-lançado livro Clube da Luta Feminista – um manual de sobrevivência (para um ambiente de trabalho machista) (Editora Fabrica 231), estão todos sob o guarda-chuva de uma sociedade patriarcal e machista. “Anos e anos de cultura e história ensinaram às mulheres que elas são menos inteligentes, menos capazes, que devemos ser agradáveis, ser carinhosas, e não pedir demais”, disse Jessica Bennett, autora e jornalista, ao EL PAÍS, por e-mail. “E isso muitas vezes nos leva a nos comportarmos de maneiras que não são do nosso maior interesse (no âmbito profissional). Mas isso não é culpa das mulheres – é o resultado de anos e anos de estruturas sexistas que nos ensinaram que devemos nos comportar de uma certa maneira”, explica a autora, a primeira editora de gênero do The New York Times.
A autora explica, ponto a ponto, os desafios que as mulheres enfrentam e como agir para superá-los. Há muito o que fazer além de chorar na linha Lapa-Socorro. Mas, de qualquer forma, há uma lista com os melhores lugares públicos para chorar, porque sim, o choro é livre e, por qualquer que seja a razão, é permitido.
O clube da luta feminista antes de ser um livro foi um clube de verdade. “Só que sem lutas e sem homens”, como diz a autora. Todos os meses, uma dúzia de mulheres – escritoras e artistas batalhadoras entre 20 e 40 anos, a maioria com um segundo emprego – se reunia no apartamento de uma amiga para conversar – “ou melhor, reclamar” – sobre o trabalho. Ao longo dos encontros, o clube foi virando um lugar que mais se aproximava com uma sessão de coaching em grupo, onde as mulheres começaram a perceber que diversas situações vividasno ambiente corporativo eram em razão do machismo no ambiente de trabalho. E, mais do que isso, o clube foi um lugar onde a ficha começou a cair. Ou como diz Bennett, “foi aquele momento de legitimação em que você percebe que o problema não é só com você”.
Da postura física ao discurso, a autora é clara para tratar dos problemas, e direta na hora de propor ações para solucioná-los. Ela vai além de problematizar em cima da cultura patriarcal: Jessica Bennett escreve para quem já sabe que isso está dado. E deseja imensamente agir. Para ontem, de preferência. “Os homens costumam chegar cedo a reuniões para garantirem um bom lugar. Em geral, não é uma ideia nada má se posicionar o mais próximo possível de onde conversas ou decisões importantes estão se desenrolando”, é uma das dicas contidas no livro.
As lições são divididas em seis partes: Conheça o inimigo, em que a autora identifica, por exemplo, o manterrupter [aquele homem que sempre interrompe uma mulher quando ela tenta falar], e o que fazer para combatê-lo. O tema autossabotagem é tratado na parte dois. Os estereótipos no trabalho são explicados na parte três – atire a primeira pedra quem nunca ouviu um “detesto ter chefe mulher”. Na parte quatro são dadas lições valiosas para aprender a falar bem. Ou: os desafios de falar sendo mulher. Pule para a parte cinco se quiser aprender rápido sobre como negociar um aumento.
É na última parte, Comporte-se com a confiança de um homem branco medíocre, que o livro traz também dicas para os homens que querem se juntar ao movimento e quebrar o ciclo machista na firma. “A equidade de gênero não é uma equação em que se um ganha, o outro necessariamente perde”, disse Bennett. “O que é bom para as mulheres é na verdade bom para os homens, é bom para os negócios. Para conseguir qualquer coisa precisamos de homens como aliados. Meu chamado para os homens é: entrem no nosso time, participem das nossas conversas, não tenham medo de fazer perguntas e sejam participantes ativos”.
O livro é todo ilustrado. Mas não se engane com a capa, que lembra um diário infanto-juvenil. O Clube da luta feminista é maior do que isso. É difícil destacar a lição mais importante ou mais valiosa, até porque, cada uma sabe onde o calo aperta (mais). De qualquer forma, destacamos algumas abaixo. Mas no fim, o que fica é que o avanço no equilíbrio de gêneros se dará a partir das nossas mãos dadas. Jessica Bennett se junta ao chamado, com uma voz ainda mais alta e direta. “A única coisa mais poderosa que uma mulher autoconfiante, é um exército delas”. Por isso, mulheres de todo o mundo, uni-vas!
Algumas lições do Clube da luta feminista:
“Comece humildemente: dando apoio a outras mulheres e assinando embaixo delas”.
“Se você ouvir uma ideia de outra mulher e achar boa, apoie-a: ‘Espere, dá pra deixá-la terminar’? Caso você perceba que alguma mulher não consegue achar a vez de falar, tome a palavra e pergunte: ‘Nell, qual a sua opinião?”.
“Encontre uma coostentadora: ela te elogia e você a elogia de volta. E o fato de uma estar elogiando a outra deixa ambas bem melhor na fita, sem que nenhuma pareça estar se gabando de seus próprios feitos”.
“As pessoas – especialmente as mulheres – não costumam pedir o que querem, o que é um dos motivos pelos quais a diferença entre salários masculinos e femininos (entre outras coisas) ainda existe. Simplesmente cogite pedir aquilo que você realmente quer“.
“Pesquisas mostram, sem dúvida, que a maioria das tarefas típicas de secretárias são delegadas a mulheres, mas que, além disso, as mulheres têm maior probabilidade de aceitar fazê-las – e de ser voluntárias também. Sabemos como pode ser difícil dizer não. Mas está aí uma coisa que não é: não oferecer antes de ser solicitada”.
“Para as chefes: não fiquem paradas falando sobre diversidade – recrute-a. Ou, melhor ainda, criem um processo de seleção às cegas”.
“Não chame um homem para uma palestra, apresentação, reunião, telefonema, ou qualquer tipo de atividade profissional até você ter chamado um número igual de mulheres”.
“Não entre de fininho: entre de sola na conversa. Um estudo da Harvard Business Review descobriu que, enquanto os homens falam em reuniões como se estivessem conversando, as mulheres preferem ser mais formais (e mais preparadas). Mas a verdade é que nem sempre você consegue planejar o momento de entrar na conversa – às vezes simplesmente precisa cair dentro”.
Para os homens, ou “um guia prático para o homem moderno”:
“Nos dê crédito. Nossas ideias não são memes para vocês repostarem à vontade”
“Se esparrame menos. Ande com a sua cadeira dez centímetros para o lado, ajuste seja lá o que precise ser ajustado, e, por favor, feche as pernas. As pessoas vêm nos dizendo para fazer isso há anos”.
“Meu chamado para os homens é: entrem no nosso time, participem das nossas conversas, não tenham medo de fazer perguntas e sejam participantes ativos”
“Deixe-nos falar. Tentem ficar de boca fechada tempo o suficiente para conseguirmos terminar o que dizíamos”.
“Tire férias e licenças. Se sua empresa oferecer licença-paternidade, seja pioneiro: tire uma. Se todo pai e mãe tirasse um tempo para cuidar de seus filhos, o equilíbrio entre família e trabalho não seria um problema ‘de mulher”.
“Apoie empresas que apoiam mulheres”.
Editora de gênero
Em novembro do ano passado, o The New York Times anunciou a criação de um posto inédito no jornalismo mundial até então: a editoria de gênero. Na época, Jessica Bennett, que fora escalada para o cargo, já havia publicado o Clube da luta feminista nos Estados Unidos.
Ela explica que os temas ligados a assédio e machismo já vinham sendo tratados no jornal, mas leva-se um tempo para encontrarem a abordagem correta. “Como a investigação pioneira das jornalistas Jodi Kantor e Megan Twohey sobre o assédio sexual de Harvey Weinstein demonstrou recentemente, o The Times já tinha uma cobertura crítica dessa importante questão”, disse Bennett. Ela se refere às duas jornalistas que tornaram públicas, em outubro do ano passado, as denúncias de assédio sexual contra o magnata de Hollywood contadas por diversas atrizes.
O texto de estreia de Bennett no posto de editora de gênero foi sobre o caso Weinstein, o que se tornou um dos maiores escândalos sexuais da indústria do cinema. “Mas há muitas histórias para contar”, afirmou ela ao EL PAÍS.
Publicação original : https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/12/cultura/1523550938_000088.html
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