Em filme com Zélia Duncan, Érica Sarmet quer aumentar a visibilidade lésbica

‘Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui’ é o único curta-metragem brasileiro no Sundance Festival

Fazia tempo que Érica Sarmet se incomodava com a ausência de lésbicas no cinema. Quando estavam presentes, o filme ou série normalmente terminava em assassinato ou violência. Ou eram histórias em que havia um retorno à heterossexualidade. Ou apenas centradas em pares românticos, ou em personagens isoladas, sem uma comunidade LGBTQIA+. “Eu queria ver alguma coisa diferente. Como não tinha, fiz o meu filme”, disse Sarmet em entrevista ao Estadão. Assim nasceu Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui, o único curta-metragem brasileiro em exibição no Sundance Festival, que acontece virtualmente até dia 30. Para assistir, acesse festival.sundance.org.

No filme, Vange (a cantora Zélia Duncan) é uma mulher de meia-idade que explora timidamente a noite de Niterói quando conhece quatro jovens (Bruna Linzmeyer, Camila Rocha, Clarissa Ribeiro e Lorre Motta). Na convivência, trocam experiências. “A ideia era que essa mulher mais velha conhecesse essas jovens e houvesse uma relação horizontal, de igual para igual. Por mais que tivesse uma homenagem às mulheres que vieram antes, era importante não ser um encontro hierarquizado de gerações. Queria tornar o encontro possível na chave da alegria, do cuidado.”

O nome da personagem de Duncan é uma homenagem à artista e ativista Vange Leonel (1963-2014) – algumas de suas músicas, inclusive Noite Preta, estão na trilha. Na escolha do elenco, Sarmet fazia questão de que fossem lésbicas ou bissexuais, o que não foi tão difícil na porção mais jovem. Foi mais desafiador encontrar quem interpretasse Vange. “Queria uma lésbica assumida. Quando fui pesquisar, vi que são muito poucas as atrizes assumidas da geração da Zélia. A gente fez piada que cantora tinha um monte. E alguém falou da Zélia. Mas jamais imaginei que ela ia topar fazer um curta.”

Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui é uma exploração da representatividade lésbica, misturando a celebração das ativistas e artistas que vieram antes com a troca de experiências intergeracionais e a vontade de deixar as personagens simplesmente existirem na tela. Inclui-se aí uma exploração do corpo e do sexo. “Para mim era importante”, disse Sarmet, que fez pesquisa acadêmica sobre pornografia. “Além disso, esse é um ponto de tensão nessa história da representatividade lésbica no audiovisual. Entra-se nesse debate do olhar fetichista, do homem dirigindo, da mulher dirigindo. Esse assunto me interessava como questionamento: como é possível filmar corpos de mulheres, ou corpos de pessoas com vagina, com desejo? Como fazer uma cena que tem objetivo de causar sensação no espectador, sem recorrer aos códigos da pornografia?”, disse.

Sua vontade era evitar clichês, como a câmera na mão rente aos corpos para denotar intimidade, ou os códigos do pornô, como o uso exacerbado do som, mais especificamente dos gritos. “Concluí que esse desejo lésbico, que está sempre em disputa, é irrepresentável. Já que ele não é irrepresentável, posso ir para o caminho mais onírico, sem ter compromisso com a verossimilhança.”

Sarmet definiu sua obra como verborrágica. “O filme nasce de um acúmulo de desejos e desconfortos”, explicou. “Ele se afirma enquanto sapatão o tempo inteiro. Eu imagino que isso afaste algumas pessoas, mas ao mesmo tempo eu não conseguia fazer de outro jeito, porque são muitos anos represados.” Sua esperança é a de que Uma Paciência Selvagem me Trouxe Até Aqui ajude a abrir caminho para a realização de mais filmes que representem lésbicas. “É importante o mercado ver que há demanda.”

Assista ao trailer

 

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