Aline Bei, com Pequena Coreografia do Adeus, entrega um romance que é, ao mesmo tempo, um soco no estômago e um abraço demorado. Sua protagonista, Júlia Terra, narra a própria infância e adolescência marcadas por rupturas: a separação dos pais, a violência doméstica e a jornada solitária para encontrar algum senso de pertencimento. Com uma linguagem poética e profundamente imagética, Bei constrói um mosaico das dores femininas que transbordam para além das páginas do livro.
O diferencial da obra está em sua forma: a prosa de Bei é fragmentada, quase como versos, mas sem perder a narrativa coesa. É como se cada palavra carregasse um peso específico, um resquício de vida. A solidão de Júlia, mesmo quando cercada por outras pessoas, ecoa como um grito silencioso de mulheres que crescem em ambientes opressivos, onde a violência, mesmo quando não física, é estrutural. A autora se aprofunda nas cicatrizes emocionais deixadas por essas experiências, mas também nas pequenas resistências que permitem à protagonista se reinventar.
Além do aspecto emocional, Pequena Coreografia do Adeus aborda temas como o impacto das relações familiares disfuncionais na formação da identidade, as expectativas de gênero impostas às meninas desde cedo e a precariedade do afeto em sociedades marcadas pelo isolamento emocional. O enredo é impregnado de uma brasilidade que se reflete nos cenários urbanos, nas dinâmicas familiares e nas nuances culturais que fazem o leitor reconhecer uma familiaridade dolorosa e íntima.
Entretanto, o experimentalismo da forma pode ser um obstáculo para quem busca uma narrativa linear e tradicional. Além disso, a carga emocional densa e constante pode tornar a leitura exaustiva, exigindo pausas frequentes para absorver tudo o que o texto carrega. Ainda assim, a força poética da escrita de Bei e sua capacidade de ressignificar o cotidiano doloroso tornam o livro uma obra indispensável para a literatura brasileira contemporânea.